sexta-feira, março 07, 2025

Conduta de Moraes questionada: veja o que os denunciados no inquérito do golpe disseram em suas defesas

 Foto: Gustavo Moreno/STF/Arquivo

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal)07 de março de 2025 | 17:45

Conduta de Moraes questionada: veja o que os denunciados no inquérito do golpe disseram em suas defesas

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Questionamentos sobre regras processuais e sobre a imparcialidade do ministro Alexandre de Moraes dominaram as primeiras manifestações das defesas dos denunciados no inquérito do golpe. Os advogados apresentaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma série de objeções envolvendo a tramitação do caso e também a organização da denúncia. Com base em argumentos técnicos sobre supostos “vícios” formais no andamento da investigação, as defesas tentam encerrar o inquérito sem análise do mérito. Todas as questões preliminares precisam ser consideradas pelos ministros no julgamento sobre a admissão da denúncia. A tendência, no entanto, é que a acusação seja recebida ainda no primeiro semestre de 2025.

Desde quarta-feira, 6, os denunciados estão encaminhando ao STF suas defesas prévias – conjunto de argumentos para tentar convencer os ministros a recusar a denúncia e, com isso, finalizar o caso. É a primeira oportunidade que as defesas têm de se manifestar formalmente sobre as acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os advogados tiveram 15 dias para analisar a denúncia e as provas e enviar suas versões. O prazo termina nesta sexta.

Os memoriais dos denunciados questionam, por exemplo, a competência do STF para processar e julgar o caso. As defesas alegam que os acusados não têm mais foro por prerrogativa de função e, por isso, o processo deveria tramitar na primeira instância. Alguns ocupam cargos públicos, como o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), mas os advogados afirmam que as acusações não têm relação com o exercício do mandato.

As defesas também insistem que não tiveram acesso a todas as provas da investigação, como a íntegra das conversas extraídas dos celulares apreendidos pela Polícia Federal.

Alexandre de Moraes levantou o sigilo dos autos depois de receber a denúncia. São 18 volumes de documentos que somam mais de 3 mil páginas. A delação do tenente-coronel Mauro Cid também foi tornada pública. O STF deu publicidade aos anexos do termo de colaboração premiada, tanto em vídeo como por escrito. Moraes ainda compartilhou com todos os 34 denunciados provas de investigações sigilosas que têm relação com a denúncia. São investigações que envolvem o aparelhamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o uso da Polícia Rodoviária Federal para influenciar as eleições de 2022 e os atos do 8 de Janeiro. Segundo os advogados, o material não está completo e inviabiliza o exercício integral do direito de defesa.

Os questionamentos sobre a imparcialidade de Alexandre de Moraes para conduzir o caso também ressurgiram nos memoriais. As defesas alegam que ele não poderia relatar a ação porque a denúncia menciona uma suposta operação para executá-lo em meio ao golpe – o Plano Punhal Verde e Amarelo e o Copa 2022. Os advogados tentam colar no ministro a pecha de vítima e julgador. Esse argumento tem sido rejeitado pelos ministros. O STF trabalha com a noção de que a vítima de atos antidemocráticos é o Estado e não deve der personalizada. Além disso, há precedentes que reconhecem que situações de impedimento criadas a posteriori não geram o afastamento dos magistrados.

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também pediu o afastamento de Alexandre de Moraes da relatoria do inquérito do golpe, mas apostou em uma estratégia menos direta. Os advogados defendem que devem ser aplicadas ao caso as regras do juiz de garantias, que preveem a divisão dos processos criminais entre dois magistrados, um responsável por conduzir a fase pré-processual e outro por analisar as provas reunidas e julgar a ação. A defesa afirma que a redistribuição é necessária “em razão do papel atuante, semelhante ao dos juízes instrutores, exercido” por Moraes ao longo da investigação.

As defesas questionam ainda a organização da denúncia. Ao enquadrar o ex-presidente como líder de uma organização criminosa armada que tentou dar um golpe de Estado após as eleições de 2022, o procurador-geral da República Paulo Gonet conectou diferentes episódios que, na avaliação do chefe dele, culminaram no plano golpista. Os fatos são encadeados a partir de 2021, marco do discurso de ruptura institucional adotado por Bolsonaro, até a invasão da Praça dos Três Poderes, o clímax do movimento golpista, segundo a linha do tempo traçada por Gonet. Os advogados alegam que as acusações são genéricas e que os crimes não foram individualizados, o que prejudicaria o trabalho das defesas.

Os denunciados também buscaram rebater as acusações que recaem sobre eles. Veja abaixo os argumentos de cada um:

Jair Bolsonaro

Os advogados do ex-presidente afirmam que não há mensagens ou outras provas que liguem Bolsonaro diretamente aos atos golpistas do 8 de Janeiro. Também argumentam que um golpe “demanda emprego de violência ou grave ameaça, aptas a impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais”, o que não ocorreu.

“Ainda que se deseje criticar os discursos, pronunciamentos, entrevistas e lives de Jair Bolsonaro, ou censurar o conteúdo de reuniões havidas com comandantes militares e assessores, tais eventos não se confundem nem minimamente com atos de execução.”

Alexandre Ramagem

O deputado federal Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo de Jair Bolsonaro, usou a eleição dele como argumento para rebater a denúncia. A defesa afirma que não faria sentido acreditar que “uma pessoa que acabara de ser eleita deputado federal, após tanto esforço e dispêndio de recursos materiais e pessoais em acirrada disputa eleitoral, fosse capaz de atentar contra os ‘poderes constitucionais’, visando abolir o Estado Democrático de Direito”. Os advogados também alegam que, quando Bolsonaro radicalizou o discurso, Ramagem já havia deixado o governo.

Alexandre Ramagem é apontado no inquérito do golpe como um dos principais conselheiros do ex-presidente. Conversas e documentos obtidos pela Polícia Federal na investigação, a partir da quebra do sigilo de mensagem do deputado, mostram que, ao longo do governo, ele articulou ataques ao Supremo Tribunal Federal e incentivou Bolsonaro a enfrentar os ministros.

A defesa alega que o ex-chefe da Abin apenas apresentou “opiniões que convergiam com o pensamento, que segundo a acusação, já era publicizado pelo então presidente”. “Trata-se de mera reiteração daquilo que, segundo a própria denúncia, o então Presidente da República já vinha afirmando publicamente”.

Anderson Torres

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres afirmou que está sendo denunciado “apenas e tão somente pelo fato de ter integrado o governo do ex-presidente”. “Esse fato, contudo, não configura, por óbvio, qualquer ilícito penal. De igual forma, eventual espírito de corpo ou mesmo o desejo do denunciado de que o ex-presidente Bolsonaro permanecesse no poder não possui enquadramento penal.”

A defesa nega que ele tenha escrito a minuta golpista apreendida na sua casa. O documento previa a anulação do resultado das eleições de 2022 e uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os advogados alegam que o documento é apócrifo e “absolutamente inverossímil”.

“A simples leitura do teor da minuta já indica o absurdo quanto ao local, quanto ao meio, quanto à forma, quanto ao objeto e quanto aos pressupostos constitucionais do Estado de Defesa. Absolutamente nada faz sentido!”

Augusto Heleno

O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Bolsonaro, alegou que não teve acesso a todas as provas do inquérito e, por isso, não poderia se “manifestar mais detidamente sobre material probatório”.

Uma agenda apreendida na casa dele levantou suspeitas sobre o uso da Abin para a espionagem de petistas e a disseminação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas.

A defesa afirma que a PGR usou “anotações as mais variadas, como se fossem um apanhado de ideias”, para “casar-se com a conclusão a que pretendia chegar”. “Um verdadeiro terraplanismo argumentativo”.

Carlos César Moretzsohn Rocha

O engenheiro eletrônico Carlos César Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL), foi denunciado porque os relatórios produzidos pelo IVL, sob supervisão dele, foram usados pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, para questionar o resultado das eleições de 2022. O PL pediu a anulação de parte dos votos alegando mau funcionamento de alguns modelos de urnas eletrônicas.

O engenheiro afirma que prestou “serviços técnicos especializados” e que o objetivo do trabalho não era encontrar fraudes nas urnas e sim “oportunidades de aprimoramento no sistema eleitoral”. Ele disse também que “nunca mencionou a palavra ‘fraude’, nem nos relatórios, nem em mensagens de e-mail ou WhatsApp, nem em entrevistas”.

A defesa de Carlos Rocha também alega que ele não tem responsabilidade pelo uso que o PL fez dos relatórios produzidos pelo IVL. O contrato de serviço dava ao partido exclusividade sobre o uso do material. Os advogados do engenheiro argumentam que a cessão “desonera totalmente o IVL e Carlos Rocha pela utilização posterior do material pelo PL, cabendo ao contratante qualquer responsabilidade por sua divulgação ou uso em quaisquer meios ou finalidades”.

Marcelo Câmara

O coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, defendeu que a denúncia deve ser rejeitada por “inépcia formal”. O advogado Eduardo Kuntz, que representa o coronel, afirma que as acusações são genéricas e imprecisas e que o cliente “tem o direito de ser informado do inteiro teor dos fatos de que está sendo acusado de forma certa e pormenorizada para que possa contraditá-los”.

O coronel também negou ter monitorado o ministro Alexandre de Moraes: “O correto é ‘acompanhamento por fontes abertas’”, alega a defesa. “O que há de ilegal em fazer pesquisas através de fontes abertas, entenda-se: google, telefonemas, agendas públicas?”

Mário Fernandes

O general Mário Fernandes foi denunciado como autor do plano de atentado “Punhal Verde e Amarelo”. O esboço criminoso previa assassinatos e sequestros do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.

A defesa nega que ele tenha apresentado ou discutido o plano com outras pessoas. “O arquivo eletrônico encontrado em seu HD – desconectado do computador – não foi apresentado a absolutamente ninguém, por isso, a nenhuma das pessoas envolvidas na investigação, agora denunciadas.”

Paulo Sérgio Nogueira

O ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, foi acusado de pressionar os comandantes das Forças Armadas a apoiarem o plano golpista de Bolsonaro. Segundo a denúncia, ele também participou de articulações para levantar suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas.

A defesa nega que ele tenha apoiado qualquer pauta golpista. “Reitere-se, ainda, que conforme revela a prova dos autos, o General Paulo Sérgio estava alinhado com o general Freire Gomes e aconselhava o presidente que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições e era totalmente contrário a golpe de Estado, temendo que radicais levassem o presidente assinar uma ‘doidera’”.

Rayssa Motta/Estadão