segunda-feira, fevereiro 10, 2025

Há 60 anos, Roberto Marinho aplicou o golpe da usurpação da TV Paulista

Publicado em 10 de fevereiro de 2025 por Tribuna da Internet

Roberto Marinho comprou a TV Globo de São Paulo por 35 dólares. Com  documentação falsa. E o STJ confirmou a transação

Marinho dizia ter comprado a TV Paulista por 35 dólares

Carlos Newton

Em 10 de fevereiro de 1965, há exatamente 60 anos, o jornalista/empresário Roberto Marinho deslocou-se do Rio de Janeiro para a cidade de São Paulo, com objetivo de assumir o controle da Rádio Televisão Paulista S/A (canal 5 de São Paulo), que afirmava ter adquirido de Victor Costa Júnior, de apenas 24 anos, herdeiro do empresário de radiodifusão Victor Costa, falecido em dezembro de 1959.

O jovem empresário convocou para esta data uma suposta Assembleia Geral Extraordinária, para atender Roberto Marinho, a quem, três meses antes, a 9 de novembro de 1964, ele tinha vendido 52% das ações da TV Paulista pelo equivalente a US$ 2 milhões, apesar de não possuir uma só das ações.

APENAS UM SÓCIO – A empresa Rádio Televisão Paulista tinha mais de 650 acionistas, que deveriam concordar ou discordar do ingresso de Roberto Marinho na sociedade, mas na pequena sala onde se realizou a Assembleia havia apenas um acionista, Armando Piovesan, titular de apenas duas das 30 mil ações da sociedade anônima e empregado de Victor Costa Júnior.

Na verdade, o controle acionário estava em mãos da família Ortiz Monteiro. Por isso, Piovesan se apresentou como procurador dos sócios majoritários Hernani Junqueira Ortiz Monteiro, Manoel Vicente da Costa, Manoel Bento da Costa e de Oswaldo Junqueira Ortiz Monteiro. Juntos, os quatro eram proprietários de 52% das ações e controlavam a empresa.

Mas as mencionadas procurações não existiam, até porque dois dos sócios majoritários já tinham morrido – Hernani Junqueira Ortiz Monteiro e Manoel Vicente da Costa.

ILEGALIDADE TOTAL – Era tudo ilegal e irregular. A pretensa venda da emissora e a realização da falsa Assembleia tinham de ser comunicadas e autorizadas pelo Ministério concedente, como previsto na Lei das Telecomunicações. Mas isso não ocorreu.

Roberto Marinho nem se importou, porque um ano antes, em 1964, ele tinha sido um dos líderes civis do golpe militar e não se preocupava mais com as leis em vigor, devido ao estado de exceção ditatorial que o país vivia.

Foi assim que o Marinho falsamente passou a ser titular de 370.000 novas ações, além das 15.100 que supostamente teria comprado do não-acionista Victor Costa Júnior, três meses antes.

DECRETO DE CASTELO – Atendendo ao pedido de Marinho, três meses depois, a 27 de maio de 1965, o presidente Castelo Branco, pela Portaria 163/65, aprovou o decidido na nebulosa AGE de 10 de fevereiro de 1965.

Mas impôs uma condição, obrigando que o novo sócio controlador da Rádio Televisão Paulista S/A regularizasse em 180 dias o quadro societário da emissora, sob pena de nulidade do ato deferido.

Marinho fez pouco da exigência e as autoridades não ousaram importuná-lo. Somente passados 11 anos é que o empresário global, mais poderoso do que nunca e certo de que não seria incomodado, presidiu uma nova Assembleia-Geral Extraordinária, em 30 de junho de 1976, para cumprir de vez essa obrigatória regularização do quadro societário.

APAGANDO RASTOS – Para não deixar rastos, Marinho transferiu de novo para seu nome aqueles 52% do capital social inicial que lhe teriam sido vendidos em 1964 por Victor Costa Júnior, que nem era acionista da Rádio Televisão Paulista S/A.

Nessa nova AGE, sem a ajuda do falsário Armando Piovesan (que se passou por procurador da família Ortiz Monteiro no ato de 10 de fevereiro de 1965), audaciosamente Roberto Marinho registrou em ata que Hernani Junqueira, falecido no distante 1962, Manoel Vicente da Costa, morto em 1964, e outros sócios da família Ortiz Monteiro compareceram ao ato societário ou se fizeram representar por meio de procurações.

O governo militar não desconfiou de nada e engoliu toda essa xaropada.

TRANSFERÊNCIAS DE AÇÕES – Para finalizar a cronologia das simulações e fraudes, em 11 de fevereiro de 1977, o ex-diretor da Televisão Globo, Luiz Eduardo Borgerth, produziu centenas de termos de transferência das ações dos mais de 650 sócios fundadores da Rádio Televisão Paulista S/A, hoje, TV Globo de São Paulo Ltda.

Transferiu todo o capital social inicial da emissora para Roberto Marinho, sem contrapartida alguma, incluindo os 52% que pertenciam aos quatro membros da família Ortiz Monteiro.

Tudo isso com a concordância do governo Geisel, que, em seguida, editou a descabida Portaria 430/77, dando ares de legalidade a esses documentos grotescamente falsificados.

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P.S. 1 – 
Walter Clark, ex-diretor-geral da Globo, conta em livro que foi o incêndio das precárias instalações da TV Paulista, em 1969, que ajudou a alavancar a Rede Globo, enrolada com um empréstimo ilegal de 6 milhões de dólares, fornecido pelo grupo americano “Time Life”. O seguro tinha uma cláusula de lucros cessantes e rendeu a Roberto Marinho 7 milhões de dólares, uma fortuna em 1970.

P.S. 2 – A pedido dos herdeiros dos antigos acionistas majoritários da emissora, esses documentos considerados fraudulentos podem e devem ser reanalisados, agora, pelo Ministério das Comunicações., quando já se sabe tudo sobre as fraudes.

P.S. 3 – Alias, esse golpe monumental deveria ser levado às Comissões de Defesa de Direitos Humanos da OEA e da ONU, porque a versão que ridiculamente prevaleceu no Supremo brasileiro é de que Marinho teria comprado o controle da TV Paulista por exatos Cr$ 60.396,00, que na época equivaliam a 35 dólares, tipo Piada do Ano(C.N.)