Publicado em 22 de dezembro de 2023 por Tribuna da Internet
Merval Pereira
O Globo
O hiperpresidencialismo que regia o governo brasileiro, com o Executivo concentrando em si os poderes da República, foi desmistificado pela gestão catastrófica da ex-presidente Dilma Rousseff e transformou-se num simulacro de parlamentarismo a partir do governo Michel Temer.
Oriundo da Câmara, e elevado à Presidência da República pelo impeachment decretado pelo Congresso, Temer tinha outra característica que o ligava aos parlamentares: a maioria do Congresso já era conservadora antes de Bolsonaro, e a pauta reformista que Temer levou a efeito correspondia ao anseio dos congressistas, assim como as reformas atuais coincidem com um Congresso mais liberal economicamente, além de majoritariamente conservador.
SEMIPRESIDENCIALISMO – Os parlamentares, cujos poderes já tinham sido ampliados pelo semiparlamentarismo no período Temer, gostaram mais ainda da maneira como Bolsonaro liberou as verbas para decisão do Congresso e querem agora retomar mais profundamente a mudança de estrutura do nosso presidencialismo, que deixou de ser hiper para ser semi.
O Congresso já tem uma importância impressionante na liberação de verbas, com todas as emendas impositivas. Agora os congressistas querem aumentar o escopo e o valor delas.
É uma regra que já está posta e dificilmente será revista, ninguém abre mão do poder — só Bolsonaro abriu, porque a questão de poder para ele era outra, ao contrário, prescindia do Congresso para tentar armar seu golpe de Estado em outras dimensões, principalmente a militar.
PODER EM MUTAÇÃO – A situação atual é muito difícil para um presidente da República acostumado a usar os poderes do hiperpresidencialismo e sua popularidade para controlar o Legislativo. Anteriormente, o presidente tinha poder imenso sobre o Congresso, que dependia de favores do Executivo. E este usava-o para barganhar, alimentando o fisiologismo à custa das estatais.
Hoje, o Congresso não precisa do Executivo, é o governo que quase sempre precisa do Legislativo. A ponto de Lula ter insistido, na posse do novo procurador-geral da República, que não é possível criminalizar a política, numa tentativa de limitar a ação da Justiça.
Falava em causa própria, e também dos congressistas de diversos matizes partidários, a maioria absoluta livre, leve e solta, depois de presos ou condenados, à busca de abrigo no governo.
CONGRESSO EM ALTA – Assim como o poder do Executivo era desbalanceado anteriormente, hoje está pendendo para o lado do Congresso. É preciso encontrar um meio-termo. Será difícil porque o Congresso não abrirá mão do poder que acumulou.
A situação melhoraria se os partidos se guiassem por programas para participar do governo, mas o governo dá aos partidos um ministério, sem saber que programa implementará. A participação fica na base do casuísmo. O
Parlamento surgiu historicamente como instituição para acompanhar e aprovar o Orçamento, mas, como aqui ele era autorizativo, a autoridade do parlamentar era nula.
TUDO MUDOU… – Ao contrário dos países mais desenvolvidos, onde 70% do trabalho é definição do Orçamento, quem o definia era o Executivo. Se um parlamentar quisesse alguma coisa, tinha de negociar. O Legislativo era meramente homologatório do que o Executivo decidia, e mesmo as emendas aprovadas muitas vezes nem mesmo eram liberadas.
Não há dúvida de que a missão primordial do Congresso é cuidar do Orçamento, mas de uma maneira que não atrapalhe projetos nacionais, que precisam ser realizados. Reclamamos que os governos assumem sem programas, e agora ficará mais frequente, porque o planos dependem do Congresso para serem aprovados. Como o Congresso é liberal na economia, reformas importantes como a tributária vêm sendo aprovadas, o que significa um dos passos mais importantes para o desenvolvimento do país.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, rejeitado por parte do PT por ser fiscalista e equilibrado, está fazendo um trabalho formidável, que o próprio partido do governo pode atrapalhar.