segunda-feira, novembro 27, 2023

Governo Lula tentou ficar entre o STF e o Senado, acabou sendo alvo dos dois


Reunião foi para “uniformizar”, sem “puxão de orelha”, diz Costa

Lula e Rui Costa agora procuram se livrar da lambança

Eliane Cantanhêde
Estadão

O que era um mal estar entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal acabou se transformando numa crise entre os Três Poderes, com o Palácio do Planalto contra a parede, tendo de dar explicações e transbordando desconfiança para os dois lados.

Mais uma vez, como no caso da âncora fiscal, do déficit zero e das pressões políticas sobre a Petrobras, destaca-se um personagem do centro do poder: Rui Costa, chefe da Casa Civil, unha e carne com Jaques Wagner, o líder do governo que, surpreendentemente, votou contra o Supremo.

GÊNIO OU IDIOTA?– Em telefonema para Wagner, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, reclamou, irritado: “Ou foi coisa de gênio ou de idiota”. Ou deu certo o PT ir para um lado e o líder do governo para o outro, ficando bem com todos, ou foi um desastre (ou uma “idiotice”), porque desagradou todo mundo. Como fato concreto, quem deu a vitória à PEC e a derrota ao STF foram Wagner e o PSD — da Bahia.

Depois do caldo entornado, Wagner pediu desculpas e aguentou o tranco, levando a culpa sozinho e bronca até da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. No dia seguinte à votação, os ministros do STF estavam no ataque, com o PT e o governo, desconcertados e na defensiva.

Detalhe: há decisões monocráticas “do bem” e “do mal”. Algumas foram decisivas para evitar ainda mais mortes na pandemia e, outras, para livrar a cara de muito político importante — que agora vota contra o instrumento que o beneficiou.

EFEITOS POLÍTICOS – Parece óbvio que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que foi aprovada pelo Senado e interfere na atuação dos ministros do Supremo, não tem efeitos práticos, só políticos.

Depois de deixar de lado os pedidos de vista na Corte, o texto manteve a intervenção nas decisões monocráticas, tomadas por apenas um ministro. Os dois pontos, porém, já foram alvo de medidas internas do Supremo, logo, eram desnecessários, e a PEC foi só uma provocação.

O ataque partiu da bancada bolsonarista, que não engole o fato de o Supremo ter sido o líder da resistência a um golpe de Estado e ser inclemente com os culpados. Aderiu imediatamente ao ataque à bancada conservadora, que não aceita a derrubada do Marco Temporal para terras indígenas nem a pauta de vanguarda da Corte em questões como aborto e porte de pequenas quantidades de maconha.

PEC É DA DIREITA – Assim, a dona da PEC é a direita parlamentar, unindo bolsonaristas e conservadores não bolsonaristas. E o que o governo Lula tinha a ver com isso?

O governo depende dos dois lados, com temas relevantes para a economia no Judiciário, como precatórios, e no Congresso, como reforma tributária e taxação de offshores, fundos especiais e apostas esportivas. Queria se manter neutro, ou parecer neutro, equilibrando-se entre dois lados de uma guerra que não era sua. Não conseguiu.

O voto do líder Jaques Wagner, a favor da PEC, foi recebido pela Corte como uma “traição rasteira”, não de Wagner, mas de seu parceiro Rui Costa (PT-BA), do Planalto e do próprio Lula. O líder jura que foi um voto “pessoal”, e Costa diz que ele e Lula não sabiam. “Çei…”, ironizou um ministro da corte pelo WhatsApp.

FORA DA LIDERANÇA – O recado é duro: se Wagner não sair ou não for saído da liderança, rompe-se a ponte entre Supremo e Planalto — que, apesar da gritaria bolsonarista, sempre houve, inclusive no governo de Jair Bolsonaro, e sempre haverá.

E, se Rui Costa e Wagner estão no centro da fogueira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é apontado como padrinho da PEC, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a grande vítima.

Aumentar receita e cortar gastos pode ficar ainda mais difícil. E com o déficit já aumentando R$ 36 bilhões…

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