quinta-feira, março 09, 2023

Uma história mal contada, pois ninguém ganha joias ou presentes sem um cartão

Publicado em 8 de março de 2023 por Tribuna da Internet

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Charge de Triscila Oliveira e Leandro Assis

Elio Gaspari
O Globo/Folha

A história das joias trazidas da Arábia Saudita na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, precisa ser mais bem contada. Segundo o almirante Albuquerque, os pacotes foram entregues em 2021 por uma pessoa do governo saudita à comitiva brasileira que partiu de Riad.

Ainda segundo ele, seriam presentes para Michelle Bolsonaro, mulher do então presidente brasileiro.

DIGA O NOME – Como se chama essa pessoa? A Casa de Saud reina na Arábia, com protocolos. O Brasil tem embaixada na Arábia, e a Arábia tem embaixada em Brasília. Se a mulher do presidente da República receberia um colar, brincos, relógio e anel, o canal para a remessa do mimo seria a embaixada.

Num grau mais elevado de cortesia, o embaixador em Brasília entregaria o presente ao Itamaraty ou, se fosse o caso, à própria senhora. Assim, formaliza-se a gentileza. Feitas as coisas de acordo com o cerimonial, ressaltava-se a cortesia e deixava-se a questão tributária num segundo plano.

O método iFood chique acabou na encrenca revelada agora pelos repórteres Adriana Fernandes e André Borges. Como um adereço inevitável, apareceu também o tenente-coronel Mauro Cid cuidando da liberaçāo das joias, sem sucesso. Isso tudo, com a rotina de carteiradas, marca do governo do capitão.

FALTAM OS DETALHES – A pessoa que recebeu os pacotes fechados em Riad deve se lembrar do nome ou do cargo de quem lhe pediu que levasse a encomenda. Caso não lembre, nunca mais deverá fazer isso. As prisões do mundo estão cheias de jovens apanhados com cocaína, dizendo que não lembram quem lhes pediu que transportassem os pacotes.

Há ainda outro detalhe mal contado na história das joias das Arábias. Um presente valioso como esse seria entregue como se fosse um sanduíche? Falta um cartão com uma mensagem elegante à destinatária. Quem se lembra de ter recebido um presente sem uma palavra de carinho? Ė certo, contudo, que Bolsonaro tentou recuperar as joias apreendidas pela Receita. Sempre na base da carteirada. Felizmente os auditores blindaram a instituição.

FIGURA IMPESSOAL  – Pelo que se sabe até agora, quem mandou as joias teria sido o governo saudita. Essa figura impessoal não existe naquela parte do mundo. Os sauditas, bem como os emires vizinhos, gostam de presentear visitantes, sempre estreitando uma relação pessoal.

O almirante Flávio Augusto Viana Rocha, secretário especial para Assuntos Estratégicos durante o governo Bolsonaro, acumulou vasta experiência em negociações com os sauditas e com os emires das vizinhanças. Consultado, certamente teria uma boa palavra a dar sobre esse assunto, prevenindo, ou até mesmo evitando o escândalo.

Poucos governos tiveram laços tão estreitos com os sauditas e com os emirados. Chega a ser surpreendente que tenha tropeçado nas caixas de joias.