Publicado em 24 de fevereiro de 2023 por Tribuna da Internet
Edvaldo Santana
O Globo
É obscuro o futuro da Light, distribuidora de eletricidade do Rio de Janeiro. E respingará nos consumidores, no mínimo com mais aumento de tarifas. A perda não técnica (PNT), eufemismo para furto de energia, é a razão, mas não única, para o desequilíbrio financeiro da companhia que fará 120 anos em 2025.
A perda da Light no ciclo 2022-2026, quando vence a concessão, é de 5.022.764 MWh (573 MW médios). Esse montante corresponde ao consumo de 2 milhões de residências, algo como Sergipe, Amapá e Roraima — juntos.
R$ 1,25 BILHÃO – É como se a energia que a Light compra de Itaipu e Belo Monte fosse usada só pelos fraudadores. Em dinheiro de hoje, é mais que R$ 1,25 bilhão ao ano. A esse montante é adicionada a parcela sob responsabilidade do acionista da Light, que ultrapassa R$ 800 milhões. E isso é só um pedaço dos quase R$ 7 bilhões que os consumidores brasileiros gastam com a perda não técnica.
Esses limites são fixados a partir de Áreas com Severas Restrições Operativas (ASROs), outro eufemismo para regiões dominadas por milícia e traficantes. Nelas, o consumo médio é da ordem de 400 kWh. O Globo de 12 de fevereiro publicou duas ótimas reportagens sobre o tema — uma de Glauce Cavalcanti e Ana Flávia Pilar e outra de Marcos Nunes.
Há uma razão para o Estado não se empenhar no combate à fraude: o ICMS é cobrado também pela energia furtada. Impedir a fraude implica reduzir o consumo e diminui o ICMS faturado.
CICLO PERVERSO – Em 2013 fui diretor-ouvidor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Estive em três dessas ASROs. “Não vou dar mole. Se meu vizinho não paga, e ninguém faz nada, por que vou pagar?” Foi o que escutei de pessoas que até se envergonhavam da clandestinidade. É o ciclo perverso do furto de energia. O “gato”, desde então, cresceu de 34% para mais de 50%.
A Light não fez a coisa mais certa. Priorizou soluções técnicas consagradas, como blindar os medidores, para resolver um problema que é social e, sobretudo, comportamental. É raro o usuário que quer permanecer clandestino. É mais raro ainda quem furta de si mesmo.
Por que, então, não eliminar o vínculo com a milícia? Como o consumidor (pagante) gasta R$ 1,25 bilhão ao ano com a perda não técnica, por que não criar um fundo com esse dinheiro, como se os 573 MW médios pertencessem ao conjunto de consumidores que deixarem de fraudar?
INSTALAR MEDIDOR – Esses kWh seriam repartidos em cotas de 200 kWh (R$ 220 no caso da Light), com uma condição: instalar o medidor. Durante um período de 18 meses a energia é medida, mas o antigo fraudador só paga o que exceder 200 kWh. Nos 18 meses seguintes, pagará o que exceder 150 kWh, e assim sucessivamente.
A Light sempre totalizará o consumo. Se for menor que os 573 MW médios do fundo, o saldo reverte em bônus na conta de luz do ano seguinte. E a conta do consumidor honesto também cairá, pois o consumo das ASROs será menor que os 400 kWh atuais, e a Light comprará menos energia para revenda.
Seria a chance de sair da espiral de desastre. O fundo de kWh corta o elo com a milícia, e o consumidor é estimulado a ser eficiente no uso da energia. Esse mecanismo funcionaria por no máximo oito anos, tempo para que a fraude na área da Light alcance a média nacional de 14%, numa economia de R$ 1 bilhão ao ano.
(Artigo enviado por Celso Serra)