O Brasil trocou um populista cultural ou identitário por um populista socioeconómico. A saga populista continua. Por mais loas que se cantem ao serviço de Lula da Silva.
Por José Pinto
O Brasil, a exemplo da América Latina, representa um alfobre de populistas. Uma história que conta com nomes como Getúlio Vargas, João Goulart, Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro e, pela terceira vez, Lula da Silva. Populistas que se alimentam da quebra de confiança dos cidadãos nas instituições, sempre que estas se recusam a servir os interesses do líder carismático.
Assim, na sua recente visita à Argentina, Lula da Silva classificou o processo que conduziu ao impeachment de Dilma Rousseff, como um golpe de estado. Algo que já se adivinhava face ao lugar privilegiado que o criador tinha reservado à sua criação política na cerimónia de tomada de posse. Um ato durante o qual fez questão de a saudar publicamente.
Que a perda de mandato de Dilma Rousseff tenha resultado de decisão do Congresso, respaldada pelo Supremo Tribunal Federal, como estipula a Constituição, foi coisa que não pesou na avaliação de Lula da Silva. Para ele, Dilma foi vítima de uma cabala orquestrada não apenas contra ela, mas, sobretudo, contra o próprio e o Partido dos Trabalhadores (PT). Por isso, com o regresso de Lula à presidência, era chegado o momento não para a reunificação nacional, mas para o ajuste de contas.
Na verdade, o curto espaço de tempo que passou desde que Lula da Silva regressou ao Palácio do Planalto já foi suficiente para desgastar a imagem que o seu marketing político tinha conseguido vender durante a campanha eleitoral. Uma estratégia bem urdida, assente na apresentação de Lula como o único político capaz de aglutinar uma frente ampla. Uma imagem que colheu não apenas junto dos seus fiéis seguidores, mas, inclusivamente, atraiu partidos e setores da direita, interessados em tirar o Brasil da situação de crise que se agudizou durante o Governo de Bolsonaro. Um capitão que não soube ser general.
Os sucessivos escândalos de corrupção envolvendo a governação petista – Mensalão. Lava Jato… – abriram as portas do Palácio do Planalto a Bolsonaro. A sua falta de preparação política, mesclada com a arrogância populista, permitiu o regresso de Lula à presidência. Um regresso orquestrado, como já foi dito, por uma talentosa equipa de marketing político que logrou suavizar a imagem de Lula, disfarçando ao máximo a revolta que o continua(va) a consumir.
Porém, a composição do Governo representou o momento final dessa mise en scène. O discurso de tomada de posse encarregou-se de provar que Lula da Silva mantinha a essência populista. A clivagem entre nós – o povo puro e explorado – e eles – os fascistas, bolsonaristas – continuava totalmente enraizada no seu pensamento. Daí que, no discurso inicial, Lula tivesse ocupado não apenas o lugar do Presidente democraticamente eleito, mas fizesse questão de partilhar esse lugar com o líder partidário e o sindicalista e tivesse colocado no lugar do povo não a totalidade dos brasileiros, mas somente os seus apaniguados. Aqueles que continuam a acreditar acefalamente na sua narrativa de vítima.
Face ao exposto, não admira que Lula não tivesse sabido aproveitar o repúdio manifestado por bem mais do que os 51% que o tinham feito Presidente, quando uma multidão de vândalos se atreveu a imitar o ataque ao Capitólio por parte de outros energúmenos só que de língua diferente. Aliás, a invasão à sede dos Três Poderes só reforçou o ímpeto revanchista que alimenta Lula.
Os milhares de horas de leitura e de quilómetros percorridos para estudar a práxis populista já me permitiram obter resposta para a dúvida inicial, ou seja, se o populismo representava uma ameaça para a democracia ou uma hipótese para repensar o funcionamento do sistema democrático. Hoje, tenho por adquirido que o populismo, em qualquer das suas modalidades, é sempre parte do problema e nunca a solução duradoura.
É por conta dessa práxis que Lula da Silva não mostrou o menor incómodo quando denegriu, mais a mais fora de portas, as instituições brasileiras que depuseram, constitucionalmente, Dilma Rousseff.
O Brasil trocou um populista cultural ou identitário por um populista socioeconómico. A saga populista continua. Por mais loas que se cantem ao serviço de Lula da Silva.
Observador (PT)