O Estadão informa que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2022, a PEC da Transição, virou moeda de troca para barganhas entre o Congresso e a equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Lideranças parlamentares estariam condicionando a aprovação do texto, entre outros pontos, à ocupação de Ministérios e vagas regionais e ao apoio à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao comando da Câmara e do Senado, respectivamente.
A rigor, essa notícia não causa nenhuma surpresa. A política em Brasília – e em todos os outros lugares – sempre foi assim. Para aprovar determinada matéria, o governo tem de ceder poder a outros partidos e grupos políticos. Segundo apurou o jornal, MDB, União Brasil e PSD pleiteiam com a equipe de Lula pelo menos duas pastas, cada um, no novo governo. Ao todo, os três partidos têm hoje 30 senadores, de um total de 81. Ou seja, se o PT deseja aprovar a PEC da Transição, não pode prescindir do apoio das três legendas.
Perante esse cenário, talvez alguém possa se lamentar da política nacional. Para apoiar um projeto de lei ou uma PEC, em vez de analisar o conteúdo específico do texto, um partido exige cargos no governo. Ora, isso não é necessariamente ruim. Se uma legenda tem muitos parlamentares eleitos – e, por isso, tem de fato capacidade de barganhar cargos em troca de apoio no Congresso –, significa que ela tem ampla base eleitoral e que sua participação no governo é também um modo de que os interesses dessa parcela da população estejam representados no Executivo.
Pensando nos próximos quatro anos, é muito bom para o País que o PT tenha de ceder espaço no governo a outros partidos. É a concretização daquilo que Lula reconheceu, no dia 30 de outubro, após o anúncio do resultado da eleição presidencial: “Esta não é uma vitória minha, nem do PT”. Para governar, a legenda petista precisará ceder poder a outros grupos políticos. Não poderá implementar sozinha suas ideias e propostas pelo simples fato de que não detém sozinha apoio suficiente no Congresso para isso.
Essa dinâmica negocial entre Executivo e Legislativo revela que o princípio democrático mais fundamental – todo o poder emana do povo – está funcionando. Como o PT não tem maioria no Legislativo, ou seja, como a população não lhe conferiu uma representação majoritária, ele é obrigado a dialogar com outros partidos, que também representam parcelas relevantes da população, e ceder-lhes poder, seja na redação final das diversas propostas legislativas, seja na composição do próprio Executivo, com cargos na máquina pública.
O grande perigo nessas negociações está em dois pontos, que merecem atenta vigilância. Em primeiro lugar, a negociação deve ter por base os interesses das respectivas bases eleitorais dos partidos. As legendas não estão ali para obter favores para os caciques partidários, e sim para defender os interesses de seus eleitores. Por isso, é fundamental que os compromissos relacionados aos acordos sejam públicos e se refiram a pontos programáticos, conectados de fato com os interesses dos eleitores de cada partido. Infelizmente, no Brasil, ainda é raro que os apoios partidários venham precedidos da celebração pública desses compromissos. Mas, precisamente por isso, eles precisam ser exigidos e cobrados. Deve haver um ônus político significativo para a legenda que não respeita minimamente o seu eleitorado.
O segundo ponto a demandar especial atenção diz respeito ao modo como os partidos aliados exercem os cargos obtidos nessas negociações. Deter um cargo público não dá direito a se apropriar daquela fatia da máquina pública para interesses particulares. O Estado existe para servir à coletividade. Eis um dos grandes desafios nacionais, em relação tanto à eficiência do aparato estatal como à moralidade pública: o exercício republicano dos cargos públicos.
Diante de todas essas negociações, é preciso reconhecer: o País precisa de mais, e não de menos, política. O que se dispensa, e deve ser combatido, é o fisiologismo.
O Estado de São Paulo