domingo, dezembro 04, 2022

Aliança entre o Supremo e a corrupção bolsonarista blinda o orçamento secreto




Por Conrado Hübner Mendes (foto)

O orçamento secreto é um dispositivo de escoamento de dinheiro público para as clientelas de deputados e senadores nos governos locais. O destino desses recursos não é exatamente conhecido nem fiscalizável. Em vez de eficiência orçamentária em políticas públicas voltadas ao bem comum, o dinheiro é fatiado para compra de apoio político. Isso quando não volta indiretamente para o bolso do parlamentar corrupto.

Essa potente turbina da corrupção bolsonarista foi costurada pelo general Luiz Eduardo Ramos e Arthur Lira. A relação entre Executivo e Legislativo foi redefinida por mecanismo puramente ilícito.

ABUSO DO PODER – Ao abrir mão de bilhões do orçamento para serem livremente alocados na lógica clientelista, o governo Bolsonaro capturou o Congresso e diluiu parte da oposição nos últimos três anos. Ainda promoveu massivo abuso de poder econômico nas eleições de 2022 e elegeu muitos correligionários para o Congresso.

Em vez de comprar vacina, remédio e merenda escolar, dinheiro público foi investido, por exemplo, na compra de estoque de tratores ou kits robótica para escola sem papel higiênico. Em cidades do Maranhão, prefeituras inventaram números sobre serviços de saúde.

Passaram a ter, na planilha orçamentária, serviços de saúde que se comparam a países nórdicos. Na vida fora da planilha, permaneceram na miséria. A descoberta foi feita pelo jornalista Breno Pires no maior furo jornalístico de 2021 (e seguiu em série de reportagens no Estadão e na Piauí).

VERBAS CORTADAS – Para alimentar essa usina, o governo teve que sufocar políticas públicas. Não é surpresa que R$ 3,3 bilhões tenham sido cortados do orçamento da saúde; ou que outro R$ 1,7 bilhão tenha sido cortado do orçamento de educação, R$ 350 milhões só das universidades federais. Também não surpreende que todas as vacinas obrigatórias para crianças com menos de um ano estejam hoje com cobertura inadequada.

O STF teve oportunidade de controlar esse inédito mercado de compra e venda de deputados, senadores e prefeitos. Em 2021, a ministra Rosa Weber, em decisão liminar, ordenou a interrupção dos pagamentos. Foi pressionada a voltar atrás.

Gilmar Mendes argumentou que a decisão colocaria em risco a execução de serviços essenciais.

STF DESCUMPRIDO – O plenário do STF revogou a liminar de Rosa Weber e estabeleceu um prazo para regularização da publicidade das emendas parlamentares. Arthur Lira prometeu corrigir a falta de transparência e promoveu mudanças cosméticas que continuaram a impedir qualquer fiscalização.

O STF foi desobedecido. E resolveu assistir as eleições mais contaminadas da história democrática sem tomar nenhuma nova medida. Parte das consequências da omissão já se tornou irreversível. Outra parte, aquela que diz respeito ao futuro imediato de um país que voltou ao mapa da pobreza e sofreu declínio brutal nos indicadores de saúde e educação, ainda está ao alcance do STF.

Esse é o mais típico caso em que a política partidária dificilmente conseguirá, por sua conta, resolver. É por isso o mais típico caso em que a intervenção judicial se faz legítima e urgente. A corrupção normalizada e isenta de controle é o paraíso de partidos fisiológicos. O Estado brasileiro não conseguirá perseguir deveres constitucionais sem transparência e eficiência na execução do orçamento.

ILEGALIDADE BANAL – Não há soberania do Parlamento para violar a Constituição. Nem há controvérsia jurídica diante de violação tão grosseira. A ilegalidade é banal.

Corte constitucional serve, no mínimo, para controlar esse tipo de coisa. Ou pode virar, como dizia Millôr sobre o jornalismo lambedor de botas, um “armazém de secos e molhados”. Se alguém gritar “abaixo o ativismo judicial”, esse alguém provavelmente está roubando. Ou não sabe do que fala.

De Rosa Weber se espera liderança e responsabilidade na condução urgente desse tema. Ainda há tempo de atenuar as consequências do erro. E avisar o Congresso que não deve se acostumar a desobedecer ao STF.

Folha de São Paulo / Tribuna da Internet