sexta-feira, dezembro 30, 2022

Crise desarmada




Jose Múcio agiu com habilidade para acabar com o início de uma crise institucional

Por Merval Pereira (foto)

O que poderia ser uma crise institucional com os militares, tudo indica, foi superado pela negociação levada a cabo pelo futuro ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Tal negociação política, paradoxalmente, objetivou justamente despolitizar a troca dos comandantes militares, que inicialmente pretendiam demonstrar seu descontentamento com a eleição de Lula antecipando seu afastamento do cargo antes da posse.

Mas o futuro ministro da Defesa agiu com habilidade e conseguiu esvaziar o movimento, tanto que Bolsonaro já nomeou o novo comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, escolhido pelo presidente eleito, que assumirá hoje interinamente. Havia o temor de que, ficando vago o cargo enquanto Lula não assumisse, Bolsonaro nomeasse um militar bolsonarista mais ferrenho, que pudesse criar problema na transmissão do cargo.

A Marinha, que se inclinava a antecipar também a transmissão de cargo, agora marcou a posse do novo ministro, almirante Marcos Sampaio Olsen, para o dia 5 de janeiro, dias depois da posse do novo presidente. O atual comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior, apontado como idealizador do protesto contra a posse de Lula, declarou que jamais apoiaria uma aventura golpista no país.

Acredito que o ministro José Múcio conseguiu esvaziar um início de crise. Não há mais aquela sensação de possível afronta dos comandantes militares ao novo governo. Pelo menos, tudo indica que não haverá um movimento combinado de repúdio ao novo presidente. Não quer dizer que os militares no comando tenham mudado de ideia sobre Lula. Vários deles são adeptos da tese de Bolsonaro de que ele não poderia ter disputado a eleição presidencial por ter sido condenado em três instâncias da Justiça.

Significa apenas que, como o Alto-Comando das três Forças foi contrário à antecipação da saída como forma de protesto contra a eleição de Lula, os comandantes acataram a posição da maioria. A decisão do comandante da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier, de ficar até a posse de Lula é vista como potencialmente perigosa por alguns setores, que temem que ele esteja preparando algum gesto de protesto no dia da transmissão de cargo, antes prevista para hoje, como assegurou o futuro ministro da Defesa. A decisão teria sido informada a ele pelo atual ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.

O anúncio parece ter irritado o almirante Garnier, que definiu que ficaria até o fim do governo e passaria o comando já sob a Presidência de Lula. Os militares próximos a ele acreditam que a decisão não teve cunho político, mas a vontade de demonstrar que está no comando até o fim. Dias atrás, na solenidade de saída do almirante Olsen do Comando de Operações Navais para assumir o comando da Força, o atual e o futuro comandantes encontraram-se, e o ambiente foi de confraternização.

Houve até momentos de descontração, quando foram dadas salvas de tiros próprias de solenidade desse tipo. Uma barca passava no momento, e muitos filmaram, o que propiciou o comentário de que poderiam fantasiar que a Marinha estava atacando o Rio de Janeiro. Dito e feito. Vídeos circularam nas redes sociais, e bolsonaristas divulgaram que a manobra era o início da sublevação.

A desmobilização dos acampamentos em frente a unidades militares pelo Brasil é o que mais preocupa neste momento, dias antes das festividades de posse. Os comandantes militares consideram que o presidente Bolsonaro deixou-os com esse problema para ser resolvido, quando poderia ter orientado seus seguidores a se desmobilizar espontaneamente.

Já começa a haver negociações para que saiam de maneira pacífica, mas, se não houver colaboração, os comandos militares terão de pedir apoio das polícias militares nos diversos estados. Não está previsto que as Forças Armadas, individualmente, atuem na desmobilização de manifestantes, mas já existe a compreensão de que não é possível aceitar tais agrupamentos indefinidamente.

As Forças Armadas só podem atuar autorizadas pela Presidência da República em casos específicos, como Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O futuro governo está disposto a agir a partir do dia 1º, com as polícias militares estaduais. Diante dos últimos acontecimentos, com a definição de que o atentado à bomba no Aeroporto de Brasília foi organizado no acampamento em frente ao Q.G. do Exército, há razão de sobra para que as Forças Armadas se dissociem desses atos terroristas.

O Globo