sábado, outubro 29, 2022

Segurança pública demanda realismo - Editorial




Chega de discursos ideológicos e populistas. O País precisa de políticas de segurança pública baseadas em evidências, que enfrentem os problemas que afetam o dia a dia da população

Esta campanha eleitoral não teve apresentação de propostas nem discussão de programas de governo. Mas os problemas que afetam a população não desaparecem só porque os candidatos mal falam deles, e exigirão do próximo governo, seja qual for, uma resposta responsável e efetiva. Uma dessas prioridades é a segurança pública, área que tem múltiplas dimensões e envolve vários atores institucionais, em especial governos estaduais, Congresso, Judiciário e Ministério Público. O papel do Executivo federal nessa seara é principalmente de coordenação e articulação, o que demanda compreensão madura e realista das questões envolvidas, sem simplismos ideológicos ou populistas.

Na segurança pública, o primeiro ponto a ser destacado para os próximos quatro anos é evitar o retrocesso. O bolsonarismo, cuja bandeira de segurança pública é radicada exclusivamente na repressão, isto é, na atuação estatal após a prática do crime, infestou a agenda pública com ideias equivocadas e desconectadas da realidade, que distorcem ainda mais o enfrentamento do problema real da violência e da criminalidade.

A principal resposta do bolsonarismo para a segurança pública é, a rigor, uma não resposta do Estado: o armamento da população. Em vez de apresentar à população soluções para o problema da criminalidade, Jair Bolsonaro diz: que cada um resolva por conta própria a violência que bate à sua porta. Não é solução, é aumento do problema. O objetivo da paz torna-se cada vez mais distante se a população, por incentivo do próprio poder público, está cada vez mais armada.

Um tema central da segurança pública refere-se às polícias, que devem cumprir estritamente o seu papel institucional. Elas precisam, portanto, ser bem treinadas e bem acompanhadas. No Estado Democrático de Direito, o uso da força por parte do Estado deve ser sempre transparente e submetido a controle. Nesse sentido, é fundamental promover o uso das câmeras nos uniformes dos policiais. A medida não contrapõe polícia e população, como se estivessem em lados opostos. As câmeras protegem tanto o agente público como o cidadão.

Proteger a polícia é também preservá-la da manipulação e uso políticos. As forças de segurança servem à lei e à população. Não servem aos interesses particulares dos membros das corporações policiais e, menos ainda, aos do político de plantão. Polícia não combina com política nem com ilegalidade. Assunto constante no bolsonarismo, a pauta de ampliação das excludentes de ilicitude para policiais é um nítido retrocesso. Em vez de incentivar o treinamento dos agentes, premia quem age fora da lei.

Talvez o grande desafio da segurança pública seja recuperar a capacidade de olhar para o problema da violência e da criminalidade com realismo e maturidade. Aqui, o PT e os partidos de esquerda têm também uma séria responsabilidade. Reiteradamente seus discursos minimizaram o problema, como se segurança pública fosse apenas e tão somente reflexo de outras questões da sociedade, como desigualdade social e situações de vulnerabilidade e miséria. Certamente há a necessidade de enfrentar os problemas de fundo, pois um Estado omisso na educação alimenta a violência, mas é preciso cuidar de forma muito prática da segurança da população no dia a dia – que é, entre outros pontos, iluminação pública, polícia presente, bem treinada e bem equipada, presídios com boa estrutura e nenhuma conivência com a criminalidade.

Não há avanço possível se a realidade é ignorada. A despeito do mito de que a sociedade brasileira é pacífica, o País é extremamente violento. Os índices de homicídio estão entre os mais altos do mundo. A despeito do mito de que as penas legais são brandas, temos uma das mais altas taxas de encarceramento do mundo. É mais que hora de despir a segurança pública e a política criminal de discursos ideológicos e populistas, tanto à direita como à esquerda, e enfrentar, com políticas públicas baseadas em evidências, os problemas reais que afetam a população. Não é uma opção: o Estado tem o dever de proteger sua população.

O Estado de São Paulo