sábado, outubro 29, 2022

O teste de estresse imposto à democracia



Segundo turno que começou pela votação surpreendente de Bolsonaro termina com investida contra TSE

Por Maria Cristina Fernandes (foto)

Em quatro semanas, um segundo turno que começou pelo surpreendente percentual de votos obtido pelo presidente da República em 2 de outubro terminou sob o impacto de uma investida de sua campanha para desacreditar o processo eleitoral. As pesquisas de intenção de voto mostram um cenário apertado.

Marcada pelo recorde em denúncias de “fake news” pedidos de direitos de resposta no horário eleitoral e pelo inédito poder de polícia do TSE, a campanha estava marcada para terminar na noite desta sexta-feira, com o debate presidencial. Terá porém, manifestações em todo o país, no sábado, convocadas pela campanha de Jair Bolsonaro sob o mote “eleições limpas”.

No lugar das urnas eletrônicas, cujo relatório de fiscalização ainda não foi apresentado pelas Forças Armadas, entrou a denúncia de supressão de inserções publicitárias da campanha bolsonarista já rejeitado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes.

A guinada da campanha presidencial deu-se à medida que a arrancada do primeiro turno, que deixou Jair Bolsonaro a apenas cinco pontos percentuais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (48,4% x 43,2%), o equivalente a 6 milhões de votos, perdeu fôlego.

Não foi por falta de empenho da máquina de governo. Em apenas 11 dias (entre 10 e 21 de outubro) a Caixa Econômica Federal emprestou R$ 4,3 bilhões em crédito consignado para 1,6 milhão de beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O programa, cujas regras foram definidas dias antes do segundo turno, acabaria suspenso, temporariamente, por determinação do Tribunal de Contas da União.

Tampouco faltou empenho de empresários aliados da campanha presidencial. Levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT) contabilizou, até o dia 26 de novembro, 1.633 denúncias de assédio eleitoral contra 1.284 empresas. Em 2018 apenas 98 empresas foram alvos de denúncia.

Os casos variam de ameaça de dispensa de empregados a anúncio de fechamento iminente em caso de resultado eleitoral contrário ao pretendido pelo dono do estabelecimento, passando por incentivo à abstenção. Os episódios que vieram à lume se relacionam com pressões pela reeleição presidencial. Minas Gerais é o recordista de casos.

Além da máquina de governo e de uma rede de suporte empresarial em todo o país, a candidatura à reeleição ainda teve, na largada, o apoio dos governadores, dois dos quais reeleitos, dos três principais colégios eleitorais do país: Romeu Zema (MG), Cláudio Castro (RJ) e Rodrigo Garcia (SP).

Como Minas foi o único, entre esses três Estados, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou, passou a ser o alvo preferencial da campanha bolsonarista, tendo motivado quatro visitas do presidente. Zema, porém, que ganhou no primeiro turno com 56% dos votos válidos sem associar seu nome ao de Bolsonaro, não se mostrou capaz de arregimentar prefeitos para virar a campanha presidencial em Minas pelo que indicam as últimas pesquisas Ipec e Datafolha.

No Rio de Janeiro, o presidente mantém-se à frente, mas Lula foi capaz de avançar em territórios bolsonaristas como a Baixada Fluminense e regiões da capital. Teve, para isso, um maior engajamento do prefeito do Rio. Ao longo do primeiro turno, Eduardo Paes manteve-se a uma distância regulamentar da campanha lulista porque apoiava a candidatura ao governo do Estado do ex-prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT), em oposição ao palanque lulista de Marcelo Freixo (PSB).

É em São Paulo, porém, que se trava a mais dramática disputa desta reta final. Depois de passar para o 2º turno, a exemplo de Bolsonaro, com votação acima daquela prevista pelos institutos de pesquisa, Tarcisio Freitas (Republicanos) viu-se acossado pela candidatura petista de Fernando Haddad.

A ascensão do ex-prefeito da capital se deu depois que o ex-deputado federal Roberto Jefferson disparou dezenas de tiros de fuzil e granadas de efeito moral contra policiais federais, afetando tanto a campanha do ex-ministro bolsonarista, quanto a do presidente no Estado.

O episódio resultou em dois policiais feridos e na volta de Jefferson, que cumpria pena domiciliar no interior do Rio, para o presídio de Bangu 8. Com isso, o PTB, presidido por Jefferson, voltou a ter protagonismo no 2º turno depois de ter marcado o primeiro com a atuação do candidato do partido à Presidência, Padre Kelmon. Substituto de Jefferson na chapa, por inelegibilidade, Kelmon, em dobradinha com o presidente, ocupou o lugar de provocador-mor de Lula no último debate do 1º turno.

Surpreendido pela votação do adversário em 2 de outubro, o candidato petista demorou a reagir no 2º turno. A reação começou com o engajamento da ex-candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet à campanha. Mais do que a incorporação do branco à campanha, a senadora foi responsável pela respostas mais contundentes à entrevista em que Bolsonaro disse ter “pintado um clima” em encontro com adolescentes venezuelanas que estavam “ganhando a vida” numa comunidade do Distrito Federal.

A resistência em responder à cobrança para que detalhasse o programa de governo, particularmente na economia, não impediu que Lula obtivesse, no segundo turno, o apoio dos economistas que haviam apoiado Simone, notadamente os idealizadores do Plano Real que aderiam em peso à sua candidatura.

Nesta quinta-feira, Lula divulgou uma “Carta para o Brasil do Amanhã” que é uma recauchutagem do programa de governo protocolado no TSE em que diz que suas primeiras medidas, se eleito, serão para resgatar a fome de 33 milhões de brasileiros.

A frente de apoio à campanha lulista abrigou também empresários e investidores como Pedro Passos e Guilherme Leal (Natura), ex-colaboradores do governo tucano. O segundo turno mostrou ainda o acerto de sua campanha em associar uma frente ampla por sua candidatura à defesa da democracia. Além dos ex-presidentes Fernando Henrique e José Sarney, ambos nonagenários, a campanha contabilizou como positiva para Lula a declaração do papa Francisco que, do Vaticano, desejou que “Nossa Senhora de Aparecida livre o brasileiro do ódio, intolerância e violência”.

A declaração do papa veio na esteira da repercussão, para o embate religioso da campanha entre evangélicos e católicos, das hostilidades de apoiadores bolsonaristas contra o arcebispo de Aparecida, Orlando Brandes. Antes do papa, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odílio Scherer já tinha ido ao Twitter explicar que o vermelho de sua batina representava o sangue derramado de Cristo e não sua adesão ao comunismo.

Com a vantagem de cinco pontos percentuais de Lula sobre Bolsonaro, segundo o Datafolha, o debate da noite desta sexta será a última grande oportunidade para o presidente tentar virar o jogo. Lula tem sido preparado para não se deixar pautar pelo presidente, como o fez no primeiro debate do segundo turno, na pauta da corrupção, com a presença do ex-juiz Sergio Moro na plateia da TV Bandeirantes. É nas 24 horas depois do debate que o mercado eleitoral da indefinição, formado por mais de oito milhões de votos, pode vir a tomar um rumo. Nas capitais de todo o país e no Distrito Federal, graças à atuação do Supremo Tribunal Federal, contará com o ineditismo do passe livre no transporte municipal para depositar seu voto nas urnas.

Valor Econômico