domingo, julho 31, 2022

André Janones




Candidato aceitou convite de Lula para conversar sobre uma possível união ainda no primeiro turno

Por Pablo Ortellado (foto)

Esta coluna inaugura uma série analisando os candidatos a presidente com maior intenção de voto.

Muita gente se surpreendeu quando uma pesquisa do Ipec em dezembro de 2021 deu 2% de intenção de voto para a Presidência a André Janones (Avante), à frente do então pré-candidato João Doria, do PSDB. Quem acompanha a dinâmica das mídias sociais, porém, sabia que Janones era uma potência. Era o único político do país que poderia competir em influência digital com Bolsonaro e Lula. Analisei sua trajetória numa coluna no GLOBO em 20 de fevereiro de 2021. Janones aceitou ontem convite de Lula para conversar sobre uma possível união ainda no primeiro turno e admitiu que poderia desistir da candidatura. Mas nada ainda está certo.

Ele é um dos candidatos que emergiram em 2018 na onda da renovação da política, tendo sido eleito deputado federal por Minas Gerais com 178 mil votos. Tem 38 anos, mas uma trajetória antiga no Triângulo Mineiro, que começa no movimento estudantil, passa pela defesa dos direitos dos usuários do SUS, até ganhar projeção nacional como porta-voz na greve dos caminhoneiros, sempre fazendo uso competente das mídias sociais.

Janones aproveitou a grande base de seguidores que angariou na greve dos caminhoneiros e a manteve engajada durante todo o seu mandato, combatendo a reforma da Previdência, denunciando desmandos no Congresso e, depois, defendendo o Auxílio Emergencial.

É justamente esse compromisso com o Auxílio Emergencial o coração de sua candidatura a presidente. Entre os candidatos com mais intenção de voto, Janones é aquele que dá maior prioridade ao combate à desigualdade. Propõe um programa de renda mínima — como o atual Auxílio Brasil ou o antigo Bolsa Família —que ofereça R$ 600 e atinja 40 milhões de famílias. Isso é mais que o dobro dos que recebem hoje o Auxílio Brasil e aproximadamente o número de beneficiários do Auxílio Emergencial dos tempos mais duros da pandemia.

Um programa de transferência de renda dessa magnitude teria, efetivamente, grande impacto na desigualdade. Em 2020, quando o Auxílio foi distribuído, o Índice de Gini, que mede a desigualdade, caiu de 0,544 para 0,524, o menor da série histórica.

O Auxílio Emergencial, em contrapartida, foi um programa muito mal desenhado e implementado. Deixou de fora pessoas que precisavam muito dos recursos e incluiu quem não precisava tanto. Focalizar o acesso a um programa dessa magnitude não é tarefa trivial.

O maior desafio de um programa de renda mínima tão ambicioso como o proposto por Janones é estabelecer a fonte dos recursos. Ele diz que quer fazer uma ampla reforma tributária, introduzindo progressividade no sistema. É a resposta tecnicamente correta. Mas uma reforma tributária ampla requer muita articulação política, o que toma tempo, e um programa social desse tipo requer implementação imediata.

Uma reforma tributária ampla exige repactuar a distribuição das receitas entre União, estados e municípios e convencer parte da classe média alta e dos muito ricos a pagar muito mais impostos. Isso não se faz em seis meses, como ele espera, mas em anos. Janones aposta no poder de pressão das mídias sociais. Não parece factível.

Quando jornalistas pediram para detalhar o conteúdo da reforma, Janones deu algumas respostas muito ruins. Disse que uma auditoria da dívida pública poderia reduzir em até 40% o gasto com juros e amortizações — um delírio, já que não há grandes segredos sobre a composição da dívida pública brasileira. A ênfase nas respostas fáceis de grande apelo em detrimento das soluções conhecidas, mas difíceis, é um sinal ruim.

Além do programa de renda mínima e da reforma tributária muito ambiciosos, Janones quer priorizar a educação básica, implementando em todo o Brasil o ensino de tempo integral. A ideia é boa, mas está pouco desenvolvida. Quando foi questionado por jornalistas, disse que detalhes técnicos seriam definidos por uma futura ministra. Não é uma boa resposta para um tema que diz estar no centro de sua agenda.

Janones não se diz nem de direita nem de esquerda. Não tem pudores em se definir como populista, na acepção técnica do termo. Adotou uma retórica contra os privilégios das elites e estabeleceu canais diretos de comunicação com a população por meio das mídias sociais. Também se apresenta como populista responsável, respeitando os limites constitucionais e as instituições de representação. Tem claramente se colocado contra os arroubos autoritários de Bolsonaro e já adiantou que estará contra ele num possível segundo turno.

O Globo