quinta-feira, abril 28, 2022

Entrevista Roberto Freire: “Lula e Bolsonaro cheiram a naftalina

 





Por Márcio Allemand

Roberto Freire está há mais de 60 anos na política, desde os tempos que ainda era estudante da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em 1972, Freire se candidatou pela primeira vez em uma eleição. Concorreu à prefeitura de Olinda pelo então MDB, partido com o qual ele tinha relações desde seu surgimento, em 1965. Na época, chegou a ser o mais votado, mas perdeu para a soma dos votos das duas sublegendas do Arena, partido que apoiava o regime militar. Dois anos depois, ele foi eleito para seu primeiro mandato como deputado estadual em Pernambuco, também pelo MDB, e foi um dos protagonistas na luta pela redemocratização. Ali ele despontava como um dos expoentes da esquerda nordestina e começava sua carreira política em nível nacional. Foi eleito para quatro mandatos sucessivos de deputado federal. Em 1989, nas primeiras eleições diretas depois do regime militar, foi candidato à Presidência da República e foi o primeiro voto de muitos dos que estavam indo às urnas pela primeira vez. 

Perdeu. Em 1994 foi eleito senador e, em 2002, voltou à Câmara para o seu 5° mandato como deputado federal. Hoje, aos 80 anos, é presidente do Cidadania e está articulando uma nova sigla que deve unir o seu partido ao PSDB.

Como o senhor avalia o país nas duas últimas décadas?

Perdemos uma grande oportunidade, principalmente no início do século XXI, quando o mundo cresceu como nunca em sua história. Tivemos um processo muito importante com a chegada da China ao mercado mundial e que provocou grandes ganhos para o Brasil. Só que esses ganhos não foram aproveitados, mas sim, dilapidados. Ao invés de investirmos em obras de infraestrutura, partimos para um consumo desenfreado.

Mas não é bom que a população consuma mais?

É ótimo para um governo populista. Mas para um país que tem problemas graves, com uma população carente de vários serviços, não. E pouco se fala disso. A verdade é que o Brasil jogou fora uma oportunidade. Ele não surfou na onda do mundo que cresceu no início dos anos 2000, mas aproveitou-se da onda como um bom malandro. Logo depois o mundo entrou numa recessão profunda.

Acha que houve excessos da Operação Lava Jato?

A Lava Jato teve um papel importante no combate à corrupção, mas cometeu alguns excessos. Nós sabemos que ninguém apura e investiga um mecanismo daqueles, que envolvia o ex-presidente da República, grandes estatais e os capitães da indústria brasileira, usando luvas de pelica. Tanto é verdade que desmancharam tudo o que foi feito. Quero ver alguém apontar um juiz que não fale com a polícia, com o Ministério Público, que não mantenha diálogo com alguém envolvido no processo de investigação. Isso é um purismo que se buscou e que nunca deveria existir.

O senhor acredita que o ex-juiz Sergio Moro errou ao deixar o Podemos e ir para o União Brasil?

Acho que em relação a Moro faltou orientação política desde o começo. Ele deveria ter analisado melhor a questão da candidatura e se tivesse entrado no União Brasil lá atrás, a disputa interna poderia ter sido resolvida para que ele fosse o candidato do partido para disputar as eleições presidenciais. O nome dele surgiu muito bem num primeiro momento, mas rapidamente começou a cair. Infelizmente, eleição não é concurso, não há mérito. Há emoção e carisma. Falta ao Moro vivência política.

Como fica então a agenda contra a corrupção?

Moro talvez seja o principal representante dessa agenda para boa parcela da sociedade brasileira. Mas é evidente que a corrupção não é o grande problema do nosso país. Nós tivemos governos recentes com essa retórica da anticorrupção e que não resolveram nada. Continuamos sendo uma das sociedades mais desiguais do mundo. Precisamos nos preocupar com um país que não cresce, que não gera emprego, que não oferece possibilidades ao seu povo, que é obrigado a conviver com o abismo cada vez maior entre a miséria e a riqueza, isso sim.

O que o senhor acha da polarização nestas eleições?

Antes de mais nada, não podemos afirmar, como alguns estão fazendo, que a campanha será como está sendo na pré-campanha. Todo esse passado recente da nossa política vira à tona. Imagino que Lula deva estar preparado para isso, assim como Bolsonaro deve estar preparado para rebater toda a crônica do seu governo.

Qual será o impacto dessas denúncias?

Não temos como definir, nem imaginar. Mas que teremos uma campanha que trará o passado de ambos os que estão encabeçando as pesquisas, não tenho dúvidas. Portanto, terá vantagem nessa campanha quem não tiver um passado a esconder. O que se pode dizer é que não temos cenário algum definido.

Isso serve para justificar a importância da terceira via?

Não, de jeito algum. É uma avaliação que eu faço bem objetiva. Considero a terceira via muito viável. Não estou dizendo isso aqui para manter o ânimo da tropa aceso. A verdade é que tudo pode acontecer. Em 2014, nós tivemos a ida do Aécio Neves para o segundo turno na última semana. Será que em 2022, a seis meses da eleição, já vamos bater o martelo e dizer que já está tudo resolvido? Claro que não.

Mas existe uma grande expectativa em relação a quem será o nome dessa terceira via…

Essa ansiedade por um novo nome existe por conta de uma necessidade da sociedade que quer uma alternativa. Estamos vivendo uma crise estrutural, com o Brasil precisando chegar ao século XXI, e dois candidatos que estão consolidados: um presidente atrás de uma reeleição; e Lula atrás de refazer sua biografia. Só que esses dois são prisioneiros do passado e cheiram a naftalina. A sociedade quer saber quem está pensando o presente e o futuro. Se a sociedade já estivesse satisfeita com esses dois, não haveria ansiedade.

O que a eventual reeleição do presidente Bolsonaro representa para Brasil?

Bolsonaro conseguiu desnudar que no Brasil havia esse movimento de uma extrema direita muito forte. Temos uma necessidade urgente de derrotar esse fascismo e esse extremismo que ele representa. E isso me espanta um pouco, porque eu costumava dizer que a direita no Brasil era tão forte que governava com a social democracia, governava dentro dos seus interesses, sem interferência nenhuma, inclusive no governo do PT. A direita não teve seus interesses atingidos em nada durante os governos do PT. Ao contrário. Alguns setores tiveram todos os interesses atendidos. No governo do PT, tivemos a manutenção da política de incentivos, que já não significam mais coisa alguma, eram apenas privilégios para determinados setores da economia.

O senhor acha que não houve nenhuma transformação importante nos governos do PT?

Em relação ao sistema de privilégios, não. Manteve-se tudo aquilo que não se justificava mais.

E com Bolsonaro?

Este ainda está preso à corrida do ouro do século XIX, com a garimpagem acabando com a Amazônia, sem entender que hoje a riqueza da Amazônia não está no subsolo, mas na floresta em pé. E a sociedade está esperando quem represente o contrário disso. Nessa campanha nós precisamos saber quem vai sair do século XX. Com Lula e Bolsonaro é que não vai ser.

Seu afastamento do Lula se deu por decepção?

Não foi bem por decepção. Nós nos afastamos no primeiro mandato e nunca mais nos aproximamos. Não tinha nem havido ainda o escândalo do mensalão. Aliás, nós não havíamos nos livrado do mensalão. O PPS na época não aceitou ser barriga de aluguel e nós tivemos divergências porque o tratamento em relação ao nosso partido não era um tratamento respeitoso. Na verdade, nunca tivemos uma relação muito estreita com o PT. Sempre houve um certo conflito, embora fôssemos aliados. Estamos afastados até hoje, mas é um afastamento sem ressentimento, porque em política não pode haver ressentimento.

Como avalia os últimos acontecimentos no PSDB?

O PSDB começou a enfrentar um certo enfraquecimento em São Paulo. O espaço que o PSDB ocupou, de uma democracia de centro-esquerda, está aberto. E o PSDB pode recuperá-lo.

O senhor diz isso em relação à federação que o Cidadania e o PSDB estão formando?

Sim. E essa federação pode ser que sirva para refundarmos a social democracia nesses novos tempos. Estou trabalhando para isso. Até porque, não é uma federação com arranjo eleitoral somente. E eu hoje falo não como presidente do Cidadania, mas como vice-presidente dessa federação, que hoje tem mais de 30 deputados.

Pode sair daí um novo partido, então?

Eu espero que sim. Não estou fazendo isso como uma ponte apenas. É rito de passagem. É que está se construindo e eu estou trabalhando com o sentido que seja assim.

Por que a decisão de fazer a federação com o PSDB?

Porque nesses últimos dez anos, desde o rompimento com o PT, começamos a nos aliar com o PSDB. Sempre brinquei que tive muitos votos de tucanos de bico vermelho. Não podemos esquecer que há um setor bem progressista na origem do PSDB com Fernando Henrique, Mario Covas, Franco Montoro.

Como avalia o governo Bolsonaro?

Do ponto de vista político, não temos governo. O que acontece é que a máquina estatal funciona até mesmo na inércia. Do ponto de vista econômico, estamos até agora sem saber qual é o projeto por total incompetência do ministro Paulo Guedes. O governo não está andando no rumo certo em setor algum. Na pandemia, por exemplo, não tivemos um governo que orientasse coisa alguma.

Mas o que faz o País andar então?

Ai do Brasil se não fosse o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, governadores e prefeitos. E aí temos que render nossas homenagens ao governador de São Paulo, João Dória, e ao Instituto Butantã. Se não fossem eles, estaríamos enfrentando um período de uma tragédia incalculável. No mais, é evidente que esse governo é um desastre em todos os aspectos. A sorte é que o Brasil é um país muito jovem e pode se recuperar.

Revista IstoÉ