domingo, janeiro 30, 2022

Após tantos escândalos, a Libor sai de cena

 




Por Mario Lettieri e Paolo Raimondi

A partir de 1º de janeiro de 2022, a Libor (London Interbank Offered Rate), que foi durante décadas a taxa base para os empréstimos na Europa, deixou de ser usada. O mesmo se aplica à Euribor e outras taxas de referência (benchmark). Elas foram substituídas por outras referências consideradas mais confiáveis, incluindo: a SOFR (Secured Overnight Financing Rate), uma taxa de juros que mede o custo de captação de dinheiro a um dia (overnight) no mercado de títulos do Tesouro dos EUA; a SONIA (Sterling Overnight Index Average), do Banco da Inglaterra; e a SARON (Swiss Average Rate Overnight), baseada nas trocas reais do mercado em francos suíços.

O novo sistema será baseado em um conjunto de taxas “overnight”, consideradas quase livres de risco (RFR, de Risk-Free Rate), porque se baseiam em transações que efetivamente ocorreram em um mercado ativo e líquido no dia anterior. As novas taxas serão decididas de acordo com contratos já fechados e não em estimativas, em pesquisas dos bancos envolvidos. Consequentemente, com o novo sistema, o valor dos juros a pagar será determinado pela média das taxas “overnight” durante o período do contrato e não conhecido antecipadamente, como era o caso antes.

Como se sabe, há 45 anos, a Libor era a principal referência de referência para transações no mercado interbancário internacional. Estava atrelada a todas as taxas aplicadas aos produtos bancários, influenciando transações financeiras de aproximadamente 800 trilhões de dólares.

A Libor era uma taxa flutuante, calculada diariamente pela Associação Britânica de Bancos (BBA), com base em uma média de oito valores fornecidos por 16 grandes bancos. Por sua vez, a Euribor era fixada pelos bancos, organizados na Federação Bancária Europeia. Cabe destacar que ela continuará operando até meados de 2023, por ser usada em aproximadamente US$ 230 trilhões de contratos existentes.

A mudança se deve a razões de transparência, equidade e melhor controle, após os muitos escândalos e manipulações ocorridos desde 1991. Os bancos envolvidos organizaram um autêntico cartel e, violando as leis antitruste, operavam de comum acordo e forneciam valores que favoreciam as suas próprias operações.

O maior escândalo eclodiu no verão de 2012, quando o banco inglês Barclays admitiu a sua culpa e concordou em pagar uma multa de 453 milhões de dólares às autoridades britânicas e estadunidenses. Muitas outras anomalias surgiram, envolvendo vários dos principais bancos mundiais. O UBS suíço teve que pagar US$ 1,5 bilhão aos reguladores; o Royal Bank of Scotland, US$ 612 milhões; e o Deutsche Bank, US$ 2,5 bilhões.

Nos EUA, a Corporação Federal de Seguros de Depósitos (FDIC), órgão federal que garante os depósitos bancários, levou 16 grandes bancos internacionais à justiça por manipular a Libor, causando enormes prejuízos a alguns grupos financeiros estadunidenses. Os bancos envolvidos e sancionados incluíam o JP Morgan, Citigroup, Bank of America, UBS, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Société Générale, HSBC, Barclays, Royal Bank of Scotland, Bank of Tokyo e Mitsubishi.

Escândalos semelhantes também ocorreram com a Euribor, envolvendo alguns dos mesmos bancos, em especial, o Barclays, articulado para manipular a taxa de juros com o Deutsche Bank, Crédit Agricole, Société Générale e HSBC. Em 2013, os órgãos de controle em Bruxelas multaram outro grupo de bancos em um total de 1,7 bilhão de euros.

Ao pagar as multas, os bancos garantiram que os processos criminais contra eles fossem encerrados. As admissões de culpa e as sanções impostas aos bancos tornaram-se “encenações teatrais” para a opinião pública.

A mudança nos parece válida e dá mais transparência às operações. Porém, convém lembrar que, muitas vezes, mal uma nova lei ou regulamento entra em vigor, logo, aparece uma forma de burlá-las. Torçamos para que não seja o caso.

Nota dos editores: Um cartel de manipulação da taxa de câmbio real-dólar, envolvendo os mesmos bancos, também operou no Brasil entre 2008 e 2013, causando prejuízos estimados na casa de R$ 100 bilhões às empresas exportadoras e à Petrobras, entre outras. Como nos EUA e na Europa, os bancos investigados assinaram um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e, em 2018, pagaram multas irrisórias em relação aos lucros auferidos: Morgan Stanley – R$ 30,28 milhões; Royal Bank of Canada – R$ 12,58 milhões; Citigroup – R$ 80 milhões; Deutsche Bank – R$ 51,4 milhões; Barclays – R$ 21,1 milhões; HSBC – R$ 18,1 milhões; JP Morgan Chase – R$ 11,1 milhões. Escusado dizer que a repercussão midiática do caso foi escassa.

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