João Gabriel de Lima
Estadão
A marca registrada do vice-almirante Henrique de Gouveia e Melo, em suas entrevistas à TV portuguesa, era o traje militar de camuflagem. Quando questionado sobre a indumentária, Gouveia e Melo respondia: “Se isso não é um combate, então o que é um combate?” Ele se referia à pandemia: foi o coordenador da força-tarefa da vacinação em Portugal.
Deixou o cargo coberto de glórias. Portugal é o país com melhor média de vacinação no mundo, 84% da população com duas doses. Em seu discurso de despedida, em vez da camuflagem, usou um traje de gala de almirante, todo branco.
FATORES POSITIVOS – “Portugal conseguiu esse resultado por causa de muitos fatores: a cultura de campanhas de vacinação, a competência de autoridades como Gouveia e Melo e também a atuação da imprensa, que enfatizou o tempo todo a importância da vacina”, diz Ricardo Alexandre, diretor adjunto da rádio portuguesa TSF, professor universitário e um dos principais jornalistas do país.
Em clima de pós-pandemia, Portugal derrubou ontem algumas das últimas restrições. Casas noturnas reabriram com grandes festas, e as esplanadas dos cafés se encheram de gente a aproveitar a temperatura amena e ensolarada do início do outono.
Os portugueses curtem os últimos dias de férias circulando pela União Europeia com reluzentes passaportes de vacinação. O país virou emblema de um fato científico que, infelizmente, não é aceito por todos: é possível vencer a pandemia com vacinação em massa.
TUDO AO CONTRÁRIO – Falta de vacinas, negacionismo, inflação, crise hídrica, desemprego, Luciano Hang na CPI, Jair Bolsonaro na ONU. As notícias ruins no Brasil se sucedem e se acumulam.
Nesses momentos, é útil olhar para exemplos inspiradores de outros países: democracias que funcionam normalmente, governos que atuam com competência e políticos que demonstram espírito público. São os casos da já citada vacinação em Portugal e das eleições na Alemanha.
Os dois partidos que mais cresceram no parlamento de Berlim foram os Verdes e os Social-democratas. Trata-se de uma boa notícia, pois são os maiores defensores de políticas ambientais rígidas.
METAS AMBIENTAIS – “A Alemanha tem muito a fazer nessa área, pois seus resultados ainda são inferiores a vários outros países da União Europeia – e a União Europeia quer ser a líder mundial do combate à mudança climática”, diz Ricardo Alexandre. Os Verdes venceram em várias cidades grandes e entre o eleitorado com menos de 30 anos – aquele que mais sofrerá se o futuro for um filme de terror, com secas recorrentes e safras agrícolas perdidas.
A boa notícia da eleição alemã não está só no resultado, mas também na forma. O líder social-democrata, Olaf Scholz, levou seu partido à vitória com uma campanha cujo slogan se compunha de uma única palavra: “Respeito”. Sua equipe de comunicação estudou minuciosamente as derrotas recentes de candidatos moderados e progressistas.
TERCEIRA VIA – Ao constatar que o discurso de ódio turbinou as vitórias do Brexit e de Donald Trump nos Estados Unidos, Scholz fugiu da polarização, rebateu as ofensas com propostas concretas – e venceu a eleição.
Civilidade e eficiência: eis as lições a extrair das duas histórias. Democracias se fortalecem com um debate de alto nível. É preciso também que seus líderes demonstrem competência para resolver problemas concretos. Quando isso não ocorre, abre-se a fresta para o discurso antidemocrático dos autocratas populistas.