Com o País distraído com crises e as bobagens do presidente, a Câmara passa boiadas e jabutis
Por Eliane Cantanhêde (foto)
Com tantas crises, declarações e revelações absurdas, o foco nestes mil dias de governo Jair Bolsonaro foi no presidente e no governo. Enquanto isso, variadas boiadas continuaram passando pelo Congresso, especialmente pela Câmara. A mais nova foi uma drástica mudança num dos eixos do combate à corrupção: a Lei de Improbidade.
Assim como teve de devolver ao Planalto o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes e o projeto mexendo com o Marco Civil da Internet, o Senado teve de agir firmemente também para evitar audácias da Câmara: distritão, volta das coligações partidárias e novo Código Eleitoral já para 2022. O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade.
O projeto da Câmara seria aprovado a toque de caixa pelo Senado na semana passada, não fosse uma articulação para uma audiência pública nesta terça-feira, 28/9, antes da votação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), amanhã de manhã, e pelo plenário, já à tarde. Assim, rapidinho.
Toda lei é sujeita a mudanças e adaptações à realidade e à dinâmica da política e do próprio País. Foi assim, com bons propósitos, que surgiu o projeto para atualizar a Lei de Improbidade, debatido em 14 audiências públicas por dois anos e meio na Câmara. Ele, entretanto, foi trocado por um substitutivo, aprovado em surpreendentes oito minutos, em junho deste ano, unindo de bolsonaristas a petistas.
Os contrários ao substitutivo conseguiram retirar um “liberou geral” para o nepotismo, mas muitos bois, ou jabutis, como se diz em Brasília, permaneceram. Não para preservar o erário e as boas práticas administrativas e éticas, mas para criar uma blindagem, ou anistia, para os responsáveis.
São três blocos de improbidade na atual lei. Enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público e violação aos princípios da administração pública: impessoalidade, legalidade, publicidade e moralidade, previstos na Constituição. No texto em pauta, porém, só os atos especificados na lei, um por um, serão enquadrados. O que não for citado não vale, como “carteirada” ou furar fila de vacinação, entre tantos outros.
“As maneiras de violar esses princípios são infinitas e é impossível relacionar todas as possibilidades na lei. É por isso que são citados exemplos, referências”, diz o procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, ativista contra o substitutivo da Câmara e um dos participantes da audiência pública de hoje.
A justificativa dos deputados foi conter promotores que extrapolam no uso da lei, tratando como criminosos gestores públicos que cometam erros administrativos por falta de experiência ou de assessoria. Sim, isso acontece, mas é preciso conter esses promotores, não matar a lei. A Lei de Abuso de Autoridade existe para isso.
O relator no Senado é Weverton Rocha (PDT-MA), alvo de processo por... improbidade. Ele não acatou nenhuma emenda e não mudou uma vírgula no texto da Câmara que, em resumo, estabelece que quem desvia dinheiro público ou causa dano ao patrimônio sem dolo, sem má-fé, coitadinho, está perdoado.
O prazo para investigar quebras de sigilos, provas do exterior e, eventualmente, vários envolvidos será só de seis meses. Mais: a prescrição também é rapidinha, até retroativa; o tempo de pena máxima aumenta, mas acaba o tempo mínimo, que era de oito anos. Cereja do bolo: os procuradores terão de pagar honorários se as ações forem consideradas descabidas.
Se a Câmara não conseguiu criar a “Lei Moro”, para impedir a candidatura do ex-juiz Sérgio Moro em 2022, foi bem-sucedida para transformar a Lei de Improbidade em pá de cal da Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história. Em vez de ajustes, de meio-termo, joga-se tudo no lixo. Quem comemora?
O Estado de São Paulo