domingo, janeiro 03, 2021

Governo Bolsonaro abandonará a fantasia da Nova Política antes do Carnaval chegar


Blog de Geografia: Charge do Benett - A Velha Nova Política

Charge do Benett (Folha de S. Paulo)

Gustavo Maia
O Globo

A bandeira da Nova Política, presente desde a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018, deu lugar a uma aliança pragmática com o Centrão, bloco chamado de fisiológico pelo presidente e seus aliados antes do acordo com os partidos. Para o professor André Borges de Carvalho, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), o movimento demonstra que Bolsonaro percebeu que não tem como sobreviver politicamente se não tiver apoio no Congresso e mira a reeleição.

“Ele se elegeu com esse discurso da antipolítica, dizendo que não faria barganha, mas foi vencido pelos fatos. E me parece que agora, com a eleição da Câmara, o governo chegou num momento decisivo, porque se o candidato do governo perder, ele fica numa posição complicada, já que o presidente da Câmara controla a pauta. E os dois próximos anos são cruciais, vão determinar o que será a eleição de 2022” — avalia Carvalho.

BASE ALIADA — “Então, uma negociação para aumentar o espaço dos partidos da base aliada seria uma forma de solidificar essa base para o governo conseguir sobreviver, evitar impeachment, CPIs, esse tipo de coisa.

A necessidade de alinhamento com a política tradicional se deu após um primeiro semestre de embates. Na primeira metade do anos, o presidente elevou o tom contra o Supremo Tribunal Federal e o Legislativo, argumentando que eles atrapalhavam o andamento das suas agendas. Ainda apostando na beligerância, participou de atos antidemocráticos e duelou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O ápice do péssimo relacionamento foi quando Bolsonaro aventou a iminência de uma “crise institucional”, em abril. Ele se referia à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para comandar a Polícia Federal. Disse que não “engoliu” a “canetada” do magistrado. Na época, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro havia pedido demissão acusando o presidente de interferência na PF.

PRESENÇA DE FÁBIO – Um ponto de inflexão notório ocorreu quando Bolsonaro criou o Ministério das Comunicações e escolheu o deputado federal Fábio Faria (PSD-RN) para comandá-lo. Desde então, o presidente deixou de falar com jornalistas no “cercadinho” do Alvorada. O diagnóstico foi de que suas declarações provocavam focos de incêndio desnecessários.

Em junho, o presidente foi surpreendido pela prisão de Fabrício Queiroz, amigo e ex-assessor do seu filho Flávio. E então deu-se a conversão de vez do “novo Bolsonaro”.

A primeira decisão pensada sob medida para agradar o Judiciário foi no dia seguinte. Demitiu o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que em uma reunião ministerial gravada externou a vontade de botar “esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”. Sinalizou então um afastamento da ala mais radical.

AGRADANDO O CENTRÃO – Até na relação com o STF Bolsonaro agradou o Centrão, ao indicar, em outubro, o desembargador Kassio Nunes Marques, indispondo-se com bolsonaristas que esperavam um nome evangélico.

Expoente da ala ideológica, o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, apontou o afastamento do presidente de suas origens em rede social: “Com o enfraquecimento desse discurso (político-ideológico), o governo se vê obrigado a aceitar apenas propostas e políticas consideradas aceitáveis pelo establishment. Quando não aceita, acaba sendo rotulado de tudo, até de genocida, e o custo político de defendê-lo vai se elevando”, dizia Felipe Martins.

A metamorfose foi reconhecida pelo próprio presidente, em transmissão a vivo no último dia 10. Respondendo ao “pessoal (que) fala em Centrão”, ele lembrou que já integrou PP, PTB, PFL (hoje DEM) e PSC. “Esse negócio de ficar aí cada vez mais satanizando partidos não existe”.

ENTROSAMENTO – O presidente ainda rebateu críticas pela nova forma com que lida com congressistas e disse que tem que conversar com o Parlamento, com o qual nunca esteve tão bem.

Ele também reclamou que, quando não conversava, era acusado de ser truculento; e agora que conversa é criticado pela imprensa.