Aguirre Talento e João Paulo Saconi
O Globo
A Polícia Federal investiga indícios de desvios de verbas públicas para o combate ao coronavírus em contratos que, somados, chegam a R$ 2 bilhões. As apurações tratam, por exemplo, de suspeitas de fraudes em licitações, compras de insumos com empresas de fachada e superfaturamento na aquisição de equipamentos.
Desde abril, a PF já realizou 52 operações em 19 estados, em busca de provas para aprofundar as investigações sobre as possíveis fraudes. Todas essas ações somaram 11 prisões preventivas, 120 detenções temporárias e 929 mandados de busca e apreensão. Parte das investigações se baseou em auditorias e relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU). Investigadores apuram agora, dentro desse universo de R$ 2 bilhões, quanto de fato foi desviado.
RIO É O MAIOR CASO – Os dados incluem, por exemplo, a ação que mirou um esquema de corrupção no Rio e afastou o governador Wilson Witzel (PSC) do cargo, além de outras operações contra governadores, autorizadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A maioria dos casos, entretanto, correu na primeira instância.
A investigação sobre contratos suspeitos assinados pelo governo Witzel com a organização social Iabas para gerir sete hospitais de campanha representa o maior caso na mira da PF: R$ 835 milhões sob suspeita de irregularidades.
Na investigação, os policiais e a Procuradoria-Geral da República (PGR) detectaram possíveis fraudes realizadas na gestão estadual para permitir que a Iabas fosse favorecida e obtivesse a gestão dos hospitais, mesmo já tendo histórico de irregularidades.
ALCANCE DAS APURAÇÕES – A urgência nas contratações para suprir as demandas da pandemia e a falta de controle nesses gastos acabaram impulsionando a ocorrência de irregularidades, apontam as investigações. Houve superfaturamento até na compra de itens básicos, como álcool em gel e máscaras.
De acordo com o delegado Thiago Delabary, coordenador-geral de repressão à corrupção e à lavagem de dinheiro da PF, a corporação usou a experiência adquirida nos últimos anos em grandes investigações sobre desvios de recursos públicos para combater irregularidades envolvendo verbas direcionadas para o enfrentamento da pandemia.
— O alto índice de reprovabilidade social desses desvios impõe à Polícia Federal o desafio de investigá-los, incansavelmente, mesmo nesse período de pandemia — afirmou Delabary.
EMPRESAS DE FACHADA – A aquisição de itens junto a empresas supostamente de fachada foi uma fraude frequente encontrada nas apurações. Um dos casos mais notórios ocorreu no Amazonas, onde o governo estadual comprou 28 respiradores de uma loja de vinhos, sem licitação, por cerca de R$ 3 milhões.
Além das ações da Polícia Federal, investigações estaduais miraram desvios relacionados à Covid-19 e elevam ainda mais o montante total de recursos públicos que podem ter sido aplicados de forma irregular em meio à pandemia.
Para Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil, a urgência do momento criou terreno fértil para os desvios nos estados: “Foi a tempestade perfeita para a corrupção, não só no Brasil como no mundo. Nunca se gastou tantos recursos públicos e nunca se relaxaram tanto os controles. O risco de corrupção ficou maior”.