sexta-feira, agosto 21, 2020

Dossiê sobre ‘antifascistas’ foi encomendado no dia em que Sergio Moro entregou sua carta de demissão


Monitoramento de servidores começou antes de Mendonça
Breno Pires e Rafael Moraes Moura
Estadão
A Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça, começou a levantar informações sobre policiais antifascistas no mesmo dia em que Sérgio Moro pediu demissão do cargo de ministro, 24 de abril.
A informação foi revelada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento nesta quinta-feira, dia 20, que analisa a produção de um dossiê contra 579 servidores ligados a grupos de oposição ao governo de Jair Bolsonaro. A maioria da Corte votou por considerar a prática ilegal.
INTERFERÊNCIA – Um pedido de informações foi enviado pela Diretoria de Inteligência da Seopi à Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro no dia 24 de abril. Naquele mesmo dia, Moro convocou a imprensa pela manhã para comunicar que estava deixando a pasta. Na ocasião, acusou Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal e de cobrar acesso a relatórios de inteligência da corporação.
No pedido enviado ao governo fluminense, a Seopi requisitava informações sobre os movimentos policiais antifascistas naquele Estado. Segundo o Estadão apurou, a busca de informações pedia detalhes como o nível de adesão por categoria, as pauta reivindicatórias e as vinculações políticas dos policiais associados ao movimento.
Procurado, Moro disse, por meio de sua assessoria de imprensa, desconhecer o pedido feito pela Seopi no dia 24 de abril e que ‘causa estranheza’ a requisição de relatório justo no dia da saída. “O trabalho do ex-ministro sempre foi pautado pela legalidade, ética e respeito à Constituição Federal”, disse a assessoria.
INFORMAÇÕES – No dia 27 de abril, houve mais um documento da Diretoria de Inteligência, solicitando informações sobre grupos de agentes de segurança do Rio Grande do Norte. Até aquele momento, portanto, eram pedidos de informação, não relatórios concluídos. Em 28 de abril, houve uma resposta do Rio de Janeiro à demanda.
O ministro Gilmar Mendes, em seu voto no STF, citou esse pedido de detalhamento solicitado pelo governo em 24 de abril. Mendes frisou que o pedido incluía também vinculações políticas de policiais e outros dados considerados úteis.
O atual ministro da Justiça, André Mendonça, foi indicado ao cargo no dia 27 de abril. Já com André no cargo, a Seopi elaborou em junho um dossiê sobre policiais antifascistas, revelado pelo UOL no fim de julho e confirmado pelo Estadão. Além de policiais, o relatório também incluiu professores e defensores de causas relacionadas aos direitos humanos. A maior parte deles havia assinado manifestos públicos antifascistas.
ANTIFASCISTAS – Segundo o Estadão apurou com fontes que tiveram acesso aos documentos da Seopi, foram produzidos dois relatórios de inteligência sobre antifascistas. Um deles foi dirigido ao Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), composto por 42 órgãos. Outro relatório foi enviado às secretarias estaduais de segurança pública dos 26 Estados e do Distrito Federal.
No curto período entre a saída de Moro e a chegada de Mendonça, o responsável pelo Ministério da Justiça foi o delegado da Polícia Federal Luiz Pontel, que era o número 2 da pasta até então.
A Seopi era comandada pelo delegado da PF aposentado Rosalvo Franco, ex-superintendente da corporação no Paraná durante boa parte da Operação Lava Jato. O diretor de Inteligência, na gestão Moro, era Fábio Galvão da Silva Rêgo, delegado da PF. Abaixo dele, o coordenador-geral de Inteligência era Daniel Sá Fortes Régis, delegado de Polícia Civil.
REFORMULAÇÃO – Após Mendonça assumir, como o Estadão mostrou, ele reformulou a secretaria e trocou 9 dos 14 nomes em cargos de chefia. O coronel reformado do Exército Gilson Libório de Oliveira Mendes assumiu a Diretoria de Inteligência, e o delegado aposentado da PF Carlos Roberto Mariath assumiu a Coordenação-Geral de Inteligência. Libório foi demitido após a repercussão sobre monitoramento de antifascistas.
Segundo fontes da gestão atual e da anterior disseram à reportagem, a atividade de inteligência não requer autorização de ministros para pedido de busca de informações. A reportagem pediu informações oficialmente ao Ministério da Justiça, mas não teve resposta até a publicação.
Procurado, o ex-coordenador-geral de Inteligência Daniel Sá Fortes Régis disse que não iria se manifestar. O ex-diretor de Inteligência Fábio Galvão da Silva Rêgo não atendeu chamadas telefônicas da reportagem.