Helio Fernandes
Inacreditável, mas rigorosamente verdadeiro: se não fosse o massacre de Realengo, deputados e senadores não teriam se lembrado do resultado de 2005, quando consultaram o cidadão-contribuinte-eleitor. Como no mundo inteiro não existe Poder maior do que a indústria das armas, obtiveram vitória estrondosa.
64 por cento dos cidadãos disseram SIM, aprovaram a permanência e a legalização das armas, 36 por cento votaram NÃO. Analistas bem informados e especialistas que estudaram o assunto em profundidade, afirmaram e reconheceram: “Os 36 por cento que disseram N-Ã-O ao armamento, votaram conscientemente”.
Já os 64 por cento que decidiram pelo S-I-M, ou seja, votavam para que em cada bairro e cada esquina, houvesse COMPRA e VENDA de armas (dezenas de milhões delas), foram contaminados, conspurcados, condenados a seguir a “campanha triliardária da maior força do mundo”.
Qual era o interesse do cidadão em dizer S-I-M à venda de armas? Nenhum. Votaram como votam nas eleições normais, elegendo uma “representatividade” falsa, farsante, fraudulenta. Agora, como o Congresso não tinha como se defender do fato de ser corresponsável pelo massacre de Realengo, resolveram entrar pela contramão de 2005.
E essa mistificação, só podia ter um patrocinador: o presidente do Senado, José Sarney. Imediatamente convocou deputados e senadores, chamou os “líderes” dos partidos no seu gabinete, e fez a proposta que sabia que seria vitoriosa: “Vamos fazer um DECRETO LEGISLATIVO PARA CONVOCAR UM PLEBISCITO, I-M-E-D-I-A-T-A-M-E-N-T-E”.
Mistificador completo, Sarney explicou: “Desisti do REFERENDO, fiz o lançamento do PLEBISCITO, porque só ele pode mudar uma lei já aprovada”. Quanto falsidade, que falta de constrangimento, de respeitabilidade, para fazer afirmação como essa.
Referendo ou plebiscito representam a mesma coisa, SIM ou NÃO a um assunto proposto ao povo. Houve apenas modificação e modernização da palavra. Há mais de 2 mil anos, reuniam o povo numa praça, ele dizia SIM ou NÃO, de viva voz.
Como as populações eram mínimas, não chegavam a uma centena os que diziam as palavras mágicas, SIM ou NÃO, eram recolhidas de viva voz e anunciado o resultado.
Com o tempo e o aumento da violência das populações e a mudança do vocabulário, o plebiscito ganhou força, o referendo foi abandonado. Mas em 2005, esse REFERENDO ainda foi usado, “achavam que PLEBISCITO o povão não entenderia”.
Essa falsidade de Sarney, “de que só o PLEBISCITO pode desautorizar o REFERENDO, não tem a menor base. A justificativa a respeito da não modificação de uma lei aprovada, não resiste à menor análise. Num país em que se quebram cláusulas pétreas da Constituição, até para PRORROGAR mandatos de quem está no Poder, por que essa filigrana de estabelecer diferença entre REFERENDO e PLEBISCITO?
Além do mais, apesar da Câmara estar visivelmente contra e no Senado só terem chegado ao número 27 (um terço dos 81 senadores), já estão dando tudo como APROVADO. Marcaram até a data, o primeiro domingo de outubro. Quanta leviandade. E essa data foi aceita pelos órgãos de comunicação, com a restrição consagradora de alguns jornalistas independentes e individuais.
Esgotada essa parte da mistificação e do exibicionismo de alguns senadores (um terço) desencaminhados pelo carreirista mais longo de todos eles, examinemos o resto. Que na verdade nem é resto e sim o principal. A confirmação dessa convocação apressada, que já está com data marcada, mas com a realização ameaçada.
Digamos, afirmação apenas hipotética: e se o resto do Senado e da Câmara, com maioria, não disserem S-I-M à invencionice de Sarney? Não haverá nem REFERENDO nem PLEBISCITO. Mas Sarney e seu grupo de iconoclastas foram derrotados?
Tranquilamente virão a público, com a afirmação em termos de lamento: “Tentamos acabar com o comércio aberto de armas, não obtivemos consenso”.
Também hipoteticamente, admitamos que o REFERENDO transformado em PLEBISCITO seja aprovado, a data de primeiro domingo de outubro, confirmada, o cidadão-contribuinte-eleitor, obrigado a votar como aconteceu em 2005. O que acontecerá?
Citei duas vezes a palavra hipoteticamente, pois não existe ninguém, nenhum analista, que possa fazer um exame da situação e conclua pela vitória do SIM ou do NÃO. Alguém saberá o que é vitória e o que é derrota, na comparação com o resultado de 2005?
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PS – Coloquei o problema, não tentarei “adivinhar” o resultado, qualquer coisa dita agora não passa de especulação. Continuo acreditando que é dificílimo derrubar a indústria das armas. Como vou escrever muito sobre o assunto, deixo para depois o exame desse súbito amor pelo plebiscito.
PS2 – Os 64 por cento que votaram pelo S-I-M manterão a posição? Resistirão à pressão, a ponto de caírem a menos de 50 por cento?
PS3 – E os 36 por cento, crescerão tanto e chegarão à vitória. De qualquer maneira, haja o que houver, com o SIM ou o NÃO, o cidadão ficará mais protegido?
PS4 – Por enquanto, esperem os fatos acontecerem.
Fonte: Tribuna da Imprensa