quinta-feira, março 24, 2011

O mais famoso processo penal de nossa história

“O advogado José de Oliveira Fagundes fez o que pode, com denodo, paixão e grande sapiência jurídica”


Fui presenteado por um amigo do Rio de Janeiro, o Marcelo Antunes, com um livro sobre a defesa de Tiradentes, de autoria do senador Paulo Duque, editado pelo Senado Federal. O livro – intitulado “Tiradentes – A Defesa” – trata justamente dos autos do processo judiciário mais importante nas origens da Independência do Brasil (a Inconfidência Mineira) e possibilita, como diz seu prefácio, conhecimento e reflexão sobre nossa história. A defesa foi feita pelo advogado José de Oliveira Fagundes, contratado na época por 200 mil réis pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro para representar os acusados da Inconfidência.

Muito pouco se sabe sobre a vida e a trajetória deste advogado de Tiradentes e também sobre os demais réus por ele defendidos. Há indicações de que Fagundes nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1752, sendo pai o comandante João Ferreira Lisboa e sua mãe Firmina Inácia de Oliveira. Aos 20 anos, foi para Portugal onde, em Coimbra, matriculou-se em 1773, concluindo o curso de Direito em 1778.

Entre os anos de 1779 e 1781, encontrava-se na Corte exercendo a advocacia em tribunais e varas. Regressou ao Brasil e, no tempo da Inconfidência, era advogado no Rio em juízos chamados inferiores, o equivalente às atuais varas cíveis e criminais. Em outubro de 1791, foi nomeado advogado da Misericórdia pela Alçada para a defesa dos réus da Inconfidência. Ele havia sido admitido como irmão da Santa Casa de Misericórdia do Rio um ano antes, quando as duas Devassas, uma do Rio e outra de Minas, foram fundidas em uma só.

O que o livro nos conta é que durante todas as investigações, os réus foram mantidos presos e sem nenhum tipo de assistência jurídica, o que só veio a acontecer no período do julgamento, entre 1791 e 1792. Fagundes apresentou embargos de defesa em 23 de novembro concernentes a 29 réus vivos e três falecidos.

A linha de defesa feita por Fagundes - não podendo negar diante do conteúdo das Devassas que os réus haviam de fato planejado o levante e conjurado contra o poder real - foi a de minimizar o feito e o significado daquelas conversações.

Baseado nos antigos princípios do Direito romano, o advogado argumentou de forma conclusiva e com estilo, pedindo equidade e para que não fossem punidos com o mesmo rigor, o que só pecou por palavras e o que perpetuou e consumou o delito, havendo tão notável diferença entre um e outro caso, quando vai da palavra à obra, da potência ao ato, da cogitação à consumação, do ficto ao verdadeiro, do abstrato ao concreto.

Tiradentes terminou na forca e seu corpo foi esquartejado e exibido nas ruas de Villa Rica. Foi o único dos inconfidentes atingido pela pena de morte. Era alferes da cavalaria da Capitania de Minas Gerais, dentista, homem pobre, morava em casa alugada, tornando-se o “primeiro que suscitou os ideais da República”, como definiram testemunhas e juízes.

Alguns de seus companheiros também foram condenados à morte, mas tiveram a sentença depois comutada e foram degredados para a África. Dois receberam o exílio por 10 anos de “galés”; outro teve sua memória, com a dos filhos e netos, “infamada”, além dos bens confiscados; alguns foram açoitados e tiveram seus bens confiscados.

Dos 21 implicados, dois ainda foram mandados em paz, por já terem ficado três anos presos e três foram inocentados.

O advogado José de Oliveira Fagundes fez o que pode, com denodo, paixão e grande sapiência jurídica diante do processo penal mais famoso de nossa história. Adquiriu na época muito prestígio na opinião pública, tanto que em anos subsequentes aparece eleito para o então denominado Senado da Câmara do Rio de Janeiro. Em 1799, aparece no Almanaque Histórico do Rio de Janeiro advogando junto à Relação (Tribunal) ao lado de Silva Alvarenga e outros.

*Advogado e administrador de empresas, está no terceiro mandato como deputado federal (PT-BA). Foi o procurador parlamentar da Câmara dos Deputados (biênio 2009/2010), chefe da Casa Civil do governo da Bahia (1986/1987) e deputado estadual (1991/1995). Autor da proposta de emenda constitucional (PEC 33/2007) que acabou com a separação judicial e instituiu o divórcio direto, aprovada e promulgada como emenda constitucional em julho de 2010. Publicou, entre outros, os livros Coletânea de artigos (2010) e Os efeitos do afeto elevados a valor jurídico (2006).

Outros textos do colunista Sérgio Barradas Carneiro *

Fonte: Congressoemfoco