Helio Fernandes
Não sei há quantos anos escrevo sobre Berlusconi, e sempre chamando-o de corrupto, o maior não só da Itália, mas do mundo. Fez fortuna de todas as formas. Possível e impossível.
No Parlamentarismo, lógico, pluripartidário, ficou longe da política durante algum tempo, até que se convenceu: da mesma forma como comprava empresas, podia comprar parlamentares, e se eleger Primeiro-Ministro.
Antes já havia comprado todos os canais particulares de televisão, ficou absoluto. Eleito Primeiro-Ministro (perdão, tendo comprado o cargo), assumiu também, subrepticiamente, que palavra, o controle dos três canais estatais.
De 2001 a 2003, resolveu fazer o que chamou de “limpeza jornalística”, demitiu, nos canais estatais, todos os que se opunham a ele. Aconteceu o que era presumível: um dos baluartes do capitalismo, que é o emprego, jogou amigos contra amigos, correligionários contra correligionários. E os que resistiram, humilhados, abandonados, ridicularizados. E desempregados.
A crise não passou dos subterrâneos políticos e principalmente parlamentares e jornalísticos. Já vinha de longe, a Itália sempre ocupou posição de “destaque” nesse ranking melancólico que conhecemos muito bem. Só que por mais surpreendente que possa parecer, a corrupção na Itália sempre foi maior, bem maior do que no Brasil.
Surgiu então a famosa “Operação Mãos Limpas”, comandada por juízes acima de qualquer suspeita. Foi antes de Berlusconi, mas “alimentando” o surgimento desse “berlusconismo”. (Como no excelente filme sobre Al Capone, feito em 1932, com o grande Paul Muni no papel principal. Se chamou “Al Capone, vergonha de uma nação”. Agora, bastava mudar o primeiro nome do personagem).
Nessa crise de 2001 a 2003, Berlusconi se fortaleceu. Como ninguém pode viver sem emprego, que é a grande alavanca do capitalismo, os líderes da resistência recebiam “solidariedade” de amigos da véspera, que diziam, aparentemente convictos: “Estamos com você”. Só que não estavam , não podiam estar sem serem condenados pela suposta omissão, pela não participação na resistência.
Como enfrentar o regime que se fortalecia com a corrupção? E Berlusconi, sem caráter, sem escrúpulos, sem convicções, cujo único Deus e Senhor era e é o dinheiro, atacou logo as fontes de empregos.
O que atingiu o alvo, em profundidade e com impacto. Como chegar em casa e dizer à mulher e filhos: “Perdi o emprego”. E explicar que lutava pela moralidade, dignidade, credibilidade, representatividade, palavras ou valores que não têm o menor trânsito nos supermercados?
Nesse período, alguns jornalistas resistentes e incorruptíveis, conseguiram fazer dois excelentes documentários, que não tinham mercado na Itália, não conseguiam ser exibidos em lugar algum. Até a BBC de Londres (que está acima de governos, lutou e venceu a ditatorialíssima Margaret Thatcher) não exibiu coisa alguma.
Só em 2005 quebraram a perseguição, mas Berlusconi já era Primeiro-Ministro. Controlava (comprava) tudo, as televisões particulares (dele) e as estatais (dominadas pelo “seu governo”), não deixou que saísse nada no país. Os documentários ficaram inéditos.
Toda vez que eu ia a Roma, arranjava tempo para ir ver o belo projeto de Oscar Niemeyer para a “Casa Mondadori” (a maior editora da Itália). Berlusconi comprou a Editora, lógico, com seu extraordinário projeto. Passei a dar voltas, para não ficar em perto;
Ia então à pequena igreja de “San Pietro in Vincoli”, onde estava, quase escondida, a escultura de Moisés feita por Michelangelo, genial. Hoje está na catedral de San Lorenzo, assombra milhões de pessoas. A mesmo humanidade que produz calhordas e corruptos como Berlusconi, cria e engrandece outros, como Michelangelo e Niemeyer.
Por causa do prazer insuperável e insustentável por “menininhas de menoridade”, quase foi derrubado num voto de confiança, que a maioria ocasional da oposição, permitiu. Mas essa maioria também não queria mesmo derrubar Berlusconi e sim negociar.
Essa negociação levou anos, mas chegaram a um preço razoável para comprador e vendedor. Voltou a ser Primeiro-Ministro, desandou, desavergonhou, desabrochou como um público admirador das filhas dos outros. Tentaram derrubá-lo, ganhou por três votos.
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PS – Agora, em 6 de abril, será julgado não por parlamentares e sim por juízas. Coincidência: por um tribunal composto por três mulheres.
PS2 – Guardemos na memória, na mente e no coração, essa data que esperamos, passe a ser inesquecível. E isso, com a condenação e a perda do cargo, para sempre.
PS3 – Enquanto os países do mundo árabe lutam pela liberdade que jamais tiveram, rezemos para que consigam.
PS4 – As ditaduras de até 40 anos (como a de Kadafi) foram estabelecidas pelos ocidentais. Que ainda preferem Kadafi por mais 40 anos. Foi o primeiro que atirou no povo. Matando fisicamente e suprimindo a internet, isolando o país.