terça-feira, julho 20, 2010

Luiz Inácio, o cabo eleitoral

“Há quem diga que Fernando Henrique nem achava tão ruim que Lula vencesse Serra. Estava absolutamente convencido de que o PT daria com os burros n’água e que ele voltaria depois para botar ordem na casa”

Pode parecer um paradoxo dizer que alguém que esteve presente em todas as disputas presidenciais desde a redemocratização do país seja a grande novidade das eleições deste ano. Mas é isto mesmo: o presidente Lula é um fator novo de fundamental importância no pleito de outubro de 2010. Porque ele exerce nesta disputa um papel até então inédito – o do presidente da República como importante cabo eleitoral de seu candidato à Presidência.

Desde que recomeçamos a votar para escolher o ocupante do gabinete principal do Palácio do Planalto, em 1989, ou o presidente disputou a reeleição ou chegou à corrida pela sua sucessão aos frangalhos, sem muita condição de interferir de forma substancial no pleito. Pela primeira vez, temos um presidente no auge da sua popularidade dizendo às pessoas que ele tem um nome favorito para sucedê-lo. E essa novidade exibe contornos novos que ficaram completamente de fora nas eleições passadas.

Comecemos por um breve histórico dessa nossa experiência pós-ditadura militar. Em 1989, o presidente José Sarney era a mais impopular das criaturas. Tinha perdido completamente o controle da economia. O país vivia uma hiperinflação que as gerações pós-Plano Real nem conseguem entender. As histórias daquela época, de correr no supermercado para pegar os produtos antes que seus preços fossem remarcados, do salário corrigido todo mês, parecem conto de ficção científica para quem não viveu o período. Responsável por isso, Sarney era tão execrado em 1989 que todos os candidatos à sua sucessão faziam oposição a ele, até seu companheiro de partido, Ulysses Guimarães.

Na eleição seguinte, o vencedor em 1989 nem estava mais na Presidência. Fora deposto por conta do caso PC Farias. Fernando Henrique Cardoso era o candidato do governo, mas seu cabo eleitoral era o Plano Real. Ele nem era a escolha do presidente Itamar Franco, que lutara para que seu sucessor fosse o então ministro da Previdência, Antonio Britto. Fernando Henrique conquistou o posto porque era o ministro da Fazenda, e era a ele, mais que a qualquer outro, que estava vinculado o plano que trouxe estabilidade à economia brasileira.

Em 1998, houve o golpe da reeleição e Fernando Henrique disputou novo mandato. Talvez ele tivesse ali a popularidade necessária para ser cabo eleitoral do seu sucessor. Usou-a consigo mesmo e ganhou a reeleição no primeiro turno. Em 2002, já não era assim. O país estava mergulhado numa crise econômica, numa recessão que virou estagnação, para tentar evitar a volta da inflação. José Serra, o candidato governista, era contrário aos excessos recessivos cometidos pela equipe econômica. Seu discurso, assim, não era tão governista quanto Fernando Henrique gostaria. E o presidente ficou distante dos palanques. Há quem diga que ele, na verdade, nem achava tão ruim que Lula vencesse Serra. Estava absolutamente convencido de que o PT daria com os burros n’água e que ele voltaria depois para botar ordem na casa.

Bem, se era isso mesmo o que achava, Fernando Henrique quebrou a cara. Mais do que não fracassar, Lula acabou se tornando um sucesso, depois que contornou a crise do mensalão. Reelegeu-se em 2006 e tornou-se ainda mais popular em seu segundo governo. Do nada, criou sua candidata à Presidência. E estamos nós de volta ao atual cenário: todos os dias, todas as horas, sempre que possível, Lula está a postos para dizer à população que sua candidata é Dilma Rousseff.

Tudo o mais de importante que marca as eleições deste ano é consequência desse fato. A começar pela polarização, forjada na medida exata que Lula desejava para a disputa. O que está em jogo na cabeça do eleitorado é claramente o seguinte: de um lado, há alguém que diz que manterá o que foi feito por Lula nos seus oito anos de governo; de outro, está alguém que mudará as coisas.

A presença maciça de Lula ao lado de Dilma tem por objetivo reforçar na cabeça do eleitor que o jogo é mesmo esse descrito no parágrafo acima. E, dada a popularidade de Lula, isso é tudo o que Serra e a oposição não queriam. Daí porque é tão fundamental tentar estabelecer limites a essa participação de Lula.

Para o experiente Serra, seria fácil disputar com a neófita Dilma. O ideal para Serra seria conseguir estabelecer uma discussão em que os feitos de Lula ficassem à margem e ele pudesse apresentar uma disputa unicamente entre ele e Dilma, fora das circunstâncias. O problema é que Lula está por trás de Dilma, e ele faz questão de mostrar isso o tempo todo.

Enfim, a disputa com Lula no palanque de Dilma, como reclama a oposição, só é desigual para Serra porque Lula é popularíssimo. Se Lula vivesse hoje a situação experimentada por Sarney ao final de seu governo, era bem provável que Serra até soltasse foguetes toda vez que ele subisse no palanque de Dilma.

O fato é que a discussão sobre quais deveriam ser os limites de um presidente ao pedir votos para seu sucessor só surgem porque Lula é um cabo eleitoral que faz a diferença. Pode até ser que a Justiça eleitoral conclua ao final que Lula abusa. Mas o presidente não deixa de ter razão quando diz que a intenção de quem reclama é conseguir fazer com que ele pare de dizer que Dilma é a sua candidata.

Fonte: Congressoemfoco