sexta-feira, julho 23, 2010

Automedicação: um hábito sem remédio

Cristiane Flores

É muito comum o consumo de medicamentos sem prescrição médica em todo Brasil. A automedicação é estimulada diariamente no horário nobre das principais emissoras de televisão, onde são veiculadas propagandas de toda sorte de medicamentos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pretende implantar medidas mais restritivas principalmente para a prescrição e comércio de antibióticos isolados ou em associação de uso sob prescrição médica.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 50% das prescrições de antibióticos no mundo são inadequadas. Só no Brasil, o comércio de antibióticos movimentou, em 2009, cerca de R$ 1,6 bilhão, segundo relatório do instituto IMS Health.

Apesar de todo rigor do órgão federal na criação de medidas para dificultar a venda sem receita médica, o problema vai muito além, de acordo com o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado da Bahia (CRF-BA), Altamiro José dos Santos, na Bahia 29% das farmácias sequer tem alvará da vigilância sanitária, imprescindível para a comercialização de medicamentos.

“Ao longo dos anos, as farmácias foram se descaracterizando como local de saúde. Existe um projeto de lei 4385 que tramita desde 1994, que visa integrar as farmácias apenas como estabelecimento de promoção da saúde. Enquanto este projeto não é votado, a Anvisa, adianta e dá uma contribuição com algumas medidas baseadas neste projeto de lei, uma delas é inibir a venda de medicamentos sem prescrição médica. Aqui no Brasil a automedicação é uma questão cultural, o consumo de antibiótico, por exemplo, é desordenado e irracional.

Entretanto existem outros problemas de grande gravidade relacionados a estabelecimentos farmacêuticos, muitos deles sequer tem um farmacêutico responsável. Além disso, 29% das farmácias da Bahia funcionam sem alvará de vigilância sanitária.

Portanto não há uma fiscalização efetiva por parte das autoridades municipais para coibir o funcionamento desses estabelecimentos principalmente em municípios menores”, afirma Altamiro.

Com relação à venda sem receita médica, o presidente do CRF- BA diz ser uma prática estimulada pela indústria farmacêutica. “Os donos de farmácias são incentivados pela indústria farmacêutica para que seus balconistas ganhem comissões e prêmios em cima da venda de determinado medicamento. A luta para estabelecer as farmácias como local de saúde se esbarra nos interesses tanto dos proprietários destes estabelecimentos, como na indústria, esta não tem interesse nenhum que a venda seja controlada. Infelizmente os comerciais de televisão estimulam a automedicação, não existe medicamento inofensivo, até mesmo remédios naturais possuem principio ativo, e o uso pode causar algum problema”, reitera.

José Caires, presidente do Sindicato dos Médicos no Estado da Bahia (Sindmed-BA), salienta o perigo ao ministrar antibióticos de maneira indiscriminada. “O que acontece é que o individuo muitas vezes faz uso de um antibiótico para qualquer coisa. O balconista de farmácia é parte integrante deste hábito.

Já presenciei balconista indicando um determinado antibiótico para uma simples dor de cabeça, então quando esta pessoa estiver com uma patologia mais complexa o antibiótico não vai ter eficácia. Além disso, o uso do antibiótico sem prescrição pode desencadear reações adversas como inchaço e até mesmo um edema de glote, que se não houver atendimento rápido pode ser fatal”, explica.

Risco de má-formação facial em bebês

O consumo de medicamentos como anticonvulsivantes, esteróides, aspirinas e substâncias para quimioterapia têm influência direta na formação do lábio e do palato (céu da boca) da criança, ainda na fase de gestação. Além disso, o álcool e o tabaco, também dificultam o desenvolvimento e a movimentação das células necessárias para a formação de certas regiões da face do bebê, durante a gravidez.

A cirurgiã plástica Ana Rita de Luna Freire, especialista em procedimentos cirúrgicos de reconstrução de face, explica. “As cirurgias reparadoras realizadas em crianças que nascem com fendas labiais e do palato são bastante delicadas”. De acordo com ela, a possibilidade de sucesso é grande, mas somente se forem conduzidas corretamente.

Ela acrescenta que, no reparo labial, a retirada dos pontos acontece em uma média de sete dias. Já no reparo do palato, os pontos caem entre 15 a 20 dias. Porém, o tratamento precisa ser realizado até os 18 anos, devido ao impacto causado nas mudanças, durante o processo de crescimento.
O acompanhamento é feito por uma equipe multidisciplinar formada pelo cirurgião plástico e por fonoaudiólogos, odontólogos, geneticistas e psicólogos, dando suporte aos pais da criança, para que lidem com a situação da melhor forma possível.

A médica diz que as fissuras labiais estão entre os casos mais comuns de deformidades da face, que ocorrem em média uma vez em cada 600 nascimentos, com base em estudos. Ela explica que, em muitos casos, essas fissuras estão ligadas a má formações de outras regiões do corpo. “E o bom resultado do tratamento depende muito do comprometimento da família em retornar ao serviço periodicamente”, detalha a médica.

A cirurgiã atua na área de reconstrução de face há mais de 10 anos e integra a equipe de cirurgia crânio-maxilo-facial do serviço de fissuras faciais do Hospital Martagão Gesteira, onde atende paciente de 0 a 14 anos. E no Hospital Ernesto Simões, no qual coordena a equipe, trata paciente acima dos 14 anos de idade.

Regras gerais para propagandas de medicamentos

Em dezembro de 2008, a Anvisa criou a resolução 96/08 com várias regras relativas à propagandas de medicamentos. Hoje, por exemplo, as propagandas de medicamentos isentos de prescrição não podem mais exibir a imagem ou voz de “celebridades” recomendando o medicamento ou sugerindo que fazem uso dele. Elas poderão aparecer em propagandas e publicidades, mas sem fazer esse tipo de orientação.

As propagandas e publicidades devem trazer os termos técnicos escritos de forma a facilitar a compreensão do público. As referências bibliográficas citadas deverão estar disponíveis no Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). A resolução também proíbe usar de forma não declaradamente publicitária espaços em filmes, espetáculos teatrais e novelas, e lançar mão de imperativos como “tome”, “use”, ou “experimente”.

As amostras grátis de anticoncepcionais e medicamentos de uso contínuo devems conter, obrigatoriamente, 100% do conteúdo da apresentação original registrada e comercializada. Já no caso dos antibióticos, a quantidade mínima deverá ser suficiente para o tratamento de um paciente. Para os demais medicamentos sob prescrição, o mínimo de 50% do conteúdo original.

As propagandas de medicamentos isentos de prescrição devem trazer advertências relativas aos princípios ativos. Um exemplo é a dipirona sódica, cuja proposta de advertência é “Não use este medicamento durante a gravidez e em crianças menores de três meses de idade”. Nas propagandas veiculadas pela televisão, o próprio ator que protagonizar o comercial tem que verbalizar estas advertências.
Fonte: Tribuna da Bahia