segunda-feira, junho 21, 2010

Denúncias de improbidade demoram para ser julgadas

Especialistas em Direito sugerem criação de varas especializadas para diminuir tempo de espera por sentenças

Publicado em 21/06/2010 | Rosana Félix

Nos últimos dois anos, o Ministério Público Estadual (MP) propôs aproximadamente 130 ações civis públicas por atos de improbidade administrativa cometidos por gestores públicos no Paraná – a maioria prefeitos ou ex-prefeitos. Esse ritmo acelerado de denúncias contrasta com a morosidade do Judiciário. Nesse mesmo período, o número de condenações (em caráter liminar ou definitivo) de que se tem notícia é bem menor: apenas 15. Os dados foram coletados de maneira informal no site do MP e não retratam fielmente a realidade, mas ajudam a explicar porque vêm aumentando as iniciativas para acelerar os julgamentos referentes a crimes contra a administração pública e atos de improbidade.

Três decisões judiciais recentes são bons exemplos da demora em julgar esses tipos de ilícitos. O Tribunal de Justiça (TJ) confirmou duas sentenças contra o ex-vereador de Curitiba Custódio da Silva e contra o ex-prefeito de Gua­­rapuava e ex-presidente do Instituto Am­­­biental do Paraná (IAP) Vítor Hugo Burko. Tam­­bém houve uma decisão de primeira instância condenando o ex-prefeito de Maringá Jairo Gianoto, da qual ainda cabe recurso. Mas as denúncias que geraram essas condenações já têm, no mínimo, oito anos (leia mais no quadro).

Especializado - Juiz leva de 4 a 6 meses para dar sentença

“A especialização é um dos caminhos para a celeridade no Judiciário.” Quem garante é o juiz João Marcos Buch, da 2ª Vara Criminal de Joinville (SC), uma das poucas varas especializadas em crimes contra a administração pública e atos de improbidade que existem no Brasil. “Os crimes contra a administração pública são muito complexos, e estão cada vez mais sofisticados. Quando o magistrado e toda sua equipe têm mais familiaridade com um tema, é mais fácil e ágil lidar com os dados apresentados”, afirma.

A vara também julga crimes comuns, mas a preferência é pelos processos que envolvem administradores públicos. “As ações comuns são importantes, mas eu tenho satisfação em dedicar mais do meu tempo aos delitos contra a administração pública, que tem um interesse coletivo muito maior”, relata Buch. Ele diz que leva, em média, de quatro a seis meses para proferir uma sentença. “Tenho um caso de peculato denunciado em janeiro de 2009, que é muito complexo. Mas minha expectativa é julgá-lo na semana que vem. Nas condições atuais do Judiciário, até que não é tão demorado.” Ele ressalta, entretanto, que é preciso muito investimento em recursos humanos e tecnológicos.

Outra vara especializada que vem se destacando é a Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular da Comarca de Cuiabá. Desde que foi instalada, em 2008, ela foi alvo de críticas e até questionamentos judiciais por parte de deputados, descontentes com as condenações que vinham sofrendo. Mas, até agora, nenhum questionamento prosperou. (RF)

Congresso

Nas últimas semanas, duas propostas de emenda à Cons­­tituição (PEC) para dar mais agilidade nesse tipo de julgamento tiveram encaminhamentos importantes no Congresso Fe­­deral. No fim de maio, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) apresentou uma PEC para facilitar a criação de varas especializadas em crimes contra a ad­­ministração pública ou atos de improbidade. Mas é na Câmara que um projeto semelhante está bem mais avançado, e pronto para ser votado em plenário.

A PEC 115/2007, do deputado federal Paulo Renato Souza (PSDB -SP), foi totalmente reformada pelo colega Flávio Dino (PCdoB-MA), relator do texto aprovado em 12 de maio na comissão especial criada para tratar o tema. A proposta cria turmas ou câmaras especializadas em matéria de improbidade administrativa no Supremo Tribunal Federal (STF), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos tribunais regionais federais e nos tribunais estaduais. Elas ficam responsáveis pelo “processamento e julgamento de ações originárias e de recursos relativos a crimes contra a administração pública e a crimes a eles conexos, bem como as ações cíveis relativas a atos de improbidade administrativa”.

Souza havia proposto a criação do Tribunal Superior da Probidade Administrativa, para centralizar julgamentos do tipo. A sugestão foi considerada inconstitucional, por criar um novo Poder. A nova redação foi uma sobrevida ao texto. “Dessa forma, manteremos a atual divisão de competências no Poder Judiciário, preservando, contudo, o espírito da proposta, que é o de combater a corrupção e a impunidade mediante julgamentos rápidos”, afirmou Dino em seu relatório.

Boa solução

Independentemente da tramitação das PECs, muitas fontes ouvidas pela reportagem defendem a especialização como forma de agilizar o julgamento dos processos envolvendo gestores públicos. “O juiz que atua em diversos campos não tem condições de analisar bem todos os aspectos de uma denúncia de improbidade. Quando o magistrado é especializado, é muito mais fácil detectar o caminho a ser adotado”, observa o advogado Daniel Ferreira, coordenador do mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UniCuritiba. “Eu defendo alguns acusados de improbidade, e às vezes se passam três ou quatro anos sem que tenha ocorrido nem mesmo a fase de instrução (produção e verificação de provas). Essa demora só beneficia o bandido e prejudica o interesse coletivo e aquele que foi acusado injustamente.”

A Associação dos Ma­­­gis­­trados do Brasil (AMB) já defendia solução semelhante. “Uma das principais medidas para acelerar os julgamentos é fazer com que os tribunais estaduais destinem, em seus orçamentos, verbas para varas especializadas em atos de improbidade”, afirma o presidente interino da entidade, Francisco Oliveira Neto.

Entretanto, Oliveira Neto afirma que o Judiciário só será mais ágil quando houver o compromisso efetivo do Estado brasileiro. “É preciso dar mais recursos ou formar um corpo técnico próprio para realizar as perícias necessárias. Esse trabalho é fundamental, porque não se trata de um crime de simples rasura de documento. Muitas vezes são desvios ou superfaturamentos, que estão muito bem escondidos, e por isso a produção de provas deve ser bem elaborada e qualificada.” Nor­­­malmente, o juiz designa um perito da área privada, que pode se recusar a fazer o trabalho caso não concorde com a remuneração.

Crimes

Questionado sobre a possibilidade de instalar varas especializadas, o Tribunal de Justiça não se manifestou. Em Curitiba, os processos envolvendo crimes contra a administração pública tramitam nas varas criminais; as ações civis públicas contra atos de improbidade administrativa, nas varas de fazenda, concordata e falências.

Fonte: Gazeta do Povo