sexta-feira, agosto 28, 2009

Professora que dançou a música 'Todo enfiado' se diz arrependida

Alexandre Lyrio e Mariana Rios Redação CORREIO
A direção do Colégio Objetivo, onde a professora Jaqueline Carvalho lecionava a meninos da alfabetização e pré-escolar, garantiu que sua demissão não foi sumária e ocorreu depois de várias conversas com a educadora. O próprio diretor da instituição, Josué de Carvalho, disse que tudo se deu de forma consensual e que até a mãe da docente concordou com sua saída.
Jaqueline, 28 anos, foi filmada por câmeras de celular ao participar de uma coreografia sensual em que o vocalista de uma banda de pagode puxa a sua calcinha. Postados no You Tube, os vídeos se propagaram rapidamente. O fato ocorreu dois meses atrás, na casa de shows Malagueta, no Corsário, e a professora acabou desligada do colégio, localizado no Vale dos Lagos, próximo de onde morava.
PreocupaçãoPor causa da repercussão negativa no bairro, Jackie se mudou para a casa da mãe, na Ribeira, e se mostrou arrependida. “Eu errei. Digo isso não pela escola, mas pelos meus alunos”. O diretor do Colégio Objetivo destacou que Jaqueline merece respeito neste momento e insistiu que a instituição agiu de forma consciente. “Diferente do que se pensou, ela não foi execrada aqui dentro. Quem a está execrando é o povo nas ruas e parte da imprensa. O bairro inteiro estava pegando no pé dela. A mãe dela disse que queria mandá-la para outro lugar. Aí nós decidimos, em consenso, desligá- la dos nossos quadros”.
O diretor admite, porém, que considera a atitude de Jaqueline “não muito adequada para uma professora de educação infantil”. “Acho que a profissão dela requer um certo cuidado. Mas repito: a demissão não foi uma decisão exclusiva da escola”. A própria professora revela que foi a primeira a debater o caso. “Eu disse a eles que estava preocupada com os alunos porque um vídeo havia vazado. Três dias depois, fui demitida”, diz. A direção nega que tenha havido pressão por parte dos pais para demiti-la. “Não houve nem tempo pra isso”.
Pais divididosNa escola, o assunto rende. Os pais estão divididos. “Minha própria filha me mostrou o vídeo. Tratei o assunto com naturalidade. A vida pessoal da professora não interessa a ninguém. Pura hipocrisia”, opina Ivan Filho, pai de uma menina de 9 anos, na 4ª série do Objetivo.
“Achei ridículo. Aquilo não é postura de uma professora”, considera a mãe de um estudante de 7 anos, que preferiu não se identificar. Independentemente do seu comportamento, a professora é considerada por alunos ecolegas uma profissional exemplar. “Aqui nunca fez nada que desabonasse a sua conduta. Sempre foi uma pessoa que tratou os alunos como seus próprios filhos”, diz uma outra professora. O diretor também sai em defesa. “Ela é muito competente. Não tem esse perfil que estão falando”.
Formada em pedagogia, Jaqueline faz pós-graduação. Na quinta-feira (27), em conversa com o diretor, disse querer continuar lecionando. “Ela disse que quer voltar a contribuir para a educação das crianças”. Josué não descarta readmitir Jaqueline .“Quando essa coisa toda acalmar, eu acho que ela pode voltar à sala de aula. Não saberia dizer se aqui na escola, mas ainda não é momento de pensar nisso”, encerrou.
Especialista alerta para nova conduta A exposição é sinal dos novos tempos, para anônimos e famosos. Gafes e flagrantes chegam a muito mais gente rapidamente. O PM paulista que dançou no quartel o forró chamado Pirikita, em setembro do ano passado, não imaginou que a brincadeira fosse custar punições administrativas. Nem a professora, que iria perder o emprego. Daniella Cicarelli conseguiu na Justiça bloquear o You Tube, após o “amasso” com o então namorado virar hit numa praia na Espanha.
Novas tecnologias, segundo especialistas, impõem novas regras de comportamento. O tema é assunto do livro A reputação na velocidade do pensamento, do jornalista Mário Rosa, lançado pela Geração Editorial. “Nunca estivemos tão vulneráveis ao olhar dos outros”, alerta.
56% contra a demissãoAté às 21h de quinta-feira (28), mais da metade dos leitores que opinaram no site do CORREIO acharam injusta a demissão.
MARA MEL Ela faz da vida o que quiser. Ninguém tem nada a ver com isso. Com tanta coisa para as pessoas se preocuparem estão preocupados com a vida particular dos outros. Deixa ela ser feliz, Bahia!
JANAÍNA Essa é a lição que a professora tem a dar? Respeito e vergonha na cara não fazem mal a ninguém.
CÉSAR LIMA A demissão foi mais do que justa, pois, apesar de ninguém ter o direito de julgá-la, sua ação causa dano e ela não teria, por exemplo, como encarar um aluno seu depois desse episódio.
CRISTIANE Acho que ela tem o direito de fazer o que quiser com a vida dela, mas escolheu a profissão errada. Isso não é postura de uma educadora!
“TUDO TUDO” Pena que não fui para essa aula no Malagueta! Julguem bem ela, está muito “blz” no vídeo. Eta, Bahia!
MONTEIRO Contratem ela para dar aulas particulares a suas filhas. Serão grandes dançarinas de pagode no futuro.
ELAINE Eu vejo um bando de gente dançando e cantando essas mesmas músicas e só porque descobriram que ela é professora estão crucificando! Deixa a mulher viver em paz!
ANINHA Deixa a professora viver. Sou professora e jamais deixaria de me divertir por causa dos outros porque quem paga minhas contas sou eu.
RODRIGO Acho isso uma bobagem. As pessoas deveriam se preocupar mais com os problemas da violência que a sociedade atravessa.
ANDRÉIA Quem devia perder o emprego era Sarney, que fez todo o mundo dançar a música dele.
EVELYN Acho que as pessoas, antes de jogar pedra, deviam olhar o seu telhado de vidro.
Jaqueline não dançou sozinha Outras quatro mulheres subiram ao palco na noite que tornou famosa - e demitiu - a professora. Mas só a calcinha de Jackie foi puxada com tanto gosto pelo vocalista da banda, Mário Brasil. As demais, por mais que se esforçassem e abaixassem até a calça jeans, não tiveram a atenção dedicada à professora.
Dos quase sete minutos do hit Todo enfiado, Jackie é destaque na metade do tempo, abrindo e fechando a performance - sucesso no You Tube. Mesmo quando o centro do palco era ocupado pelas outras mulheres, Jackie continuava sendo filmada. Chegou a ficar abaixada no chão, com o vestido suspenso. As companheiras de palco não foram menos ousadas: desabotoaram até calça e bermuda jeans, rebolando, sem perder o equilíbrio com a peça abaixada.
O comportamento das moças do pagode é um espetáculo à parte na noite da fuleiragem. Destaque para a Dança da cadeira, do grupo Miskuta, e o Surubão, do grupo A Bronkka. “É para qualquer mulher ficar louca”, resume a dona de casa Jaqueline Ribeiro dos Santos, 26, sobre a interação no palco com o vocalista da Miskuta.
“É baixaria pura. Mas a gente está só se divertindo. Para mim, não ficando nua, está beleza”, defende Jaqueline, que curte as sextas-feiras em um dos pontos do pagodão na capital. “Eu danço, rebolo, sento, mas não levanto a roupa”. O cuidado, garante a dona de casa, é para não manchar a reputação.
Cuidado importante para quem trabalha com crianças e adolescentes, na opinião da psicóloga e psicoterapeuta Eurides Pimentel. “A professora deve ter um perfil de liderança, é um exemplo para a criança. Mas considero muito severa uma demissão”.
Entrevista/ Jaqueline Carvalho Depois da repercussão por conta do vídeo na internet, a professora Jaqueline Carvalho teve que deixar o Vale dos Lagos, onde mora, por causa da perseguição de vizinhos. Ela se refugiou na casa de parentes, de onde falou ao CORREIO, por telefone.
Como tudo aconteceu naquela noite? Eu costumava frequentar o show deles. Tem uma hora que o vocalista da banda chama o público para cima do palco. Subi e dancei. Ninguém me obrigou a nada.
Você estava nas suas condições normais? Não usei drogas, mas consumi álcool. Não estava normal.
Você está arrependida? Todo ser humano é passível de erro. Eu errei e estou arrependida. Digo isso pelos meus alunos e pela minha filha, que estuda na mesma escola.
Então você acha que a demissão foi justa? Não tiro a razão da escola. Sei que o que complicou a minha vida é o fato de eu ser professora de educação infantil. Deveria ter pensado mais nos meus alunos. Tanto que eu mesma levei o caso para a escola. Três dias depois, fui demitida, segundo eles por conta dos últimos acontecimentos.
Quando foi que as pessoas começaram a te perseguir? Depois que o vídeo caiu na internet todo o mundo ficou sabendo. Aí virei motivo de chacota. Não podia botar a cara fora de casa que ouvia o refrão de Todo enfiado. Meus amigos se afastaram de mim.
A intimidade é inviolável Com a Constituição de 88, o cidadão brasileiro possui a garantia dos seus direitos fundamentais, tratada no Título II, Capítulo I. No Inciso X do Art. 5º da carta magna, são consideradas invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à propositura de ações indenizatórias pelos danos materiais ou morais decorrentes da violação dessas garantias.
Passou a ser matéria nacional um vídeo veiculado na internet, em que uma jovem professora, fora do seu horário de trabalho, no gozo da sua vida privada, num evento musical, expõe uma sensual coreografia.
Por conta disso, a escamoteada “moral” baiana, explicitada pelos empregadores da educadora, findaram a relação empregatícia que ela mantinha com a escola, violando, de forma grosseira, sua intimidade e sua vida privada, tão somente pelo fato de ter participado da coreografia em recinto fechado, não autorizando a veiculação na rede, donde se denota que vivemos ainda sob a égide do muro baixo, dos discriminadores dos negros e homossexuais, num estado de democracia aparente, mas permeado pelo preconceito hipócrita dos que fazem de tudo o ano inteiro, contando que não tenha difusão.
Se a atitude da jovem sequer foi garantida pela Constituição, então como será nos carnavais, onde, publicamente, coreografias e coreografias desfilam sob o alcance das lentes ávidas? Por certo, se o desrespeito às garantias persistir, todos os baianos estarão desempregados e a Constituição estará definitivamente rompida.
Alfredo Venet Lima, advogado especialista em tutela penal da intimidade
Pagode em alta Sexta-feira do Surubão, com A Bronkka Endereço: Avenida Octávio Mangabeira, s/nº, Praia do Corsário (Tel. 3271-1000). Horário: a partir de 22h30. Preço: R$15 (para homens e mulheres).
PÍER 41 Ensaio com grupo O Troco Endereço: Marina da Penha, fim de linha da Ribeira. Horário: a partir das 22h. Preço: R$10 (para homens e mulheres)
PELOURINHO DE NAZARÉ Saiddy Bamba Endereço: Rua Bela Vista do Cabral, n°35, fim de linha de Nazaré - próximo ao TRT (Tel. 8802-8677 / 9151-7069). Programação: Saiddy Bamba, boate com Paulinho DJ e convidados. Horário: a partir das 22h. Preço: R$10 (mulher) e R$15 (homem).
PATY MUSIC Som virado, Black Style e O Back Endereço: Rua Francisco Souza, 12, Caminho de Areia (Tel. 3313-9133). Horário: a partir das 22h Preço: R$10 (pista) e R$15 (camarote)
(notícia publicada na edição impressa do dia 28/08/2009 do CORREIO)
Veja também:Professora dança em pagodão e acaba perdendo o emprego