Dora Kramer
Agora não falta mais nada: está provado que o presidente do Senado, José Sarney, mentiu ao negar a existência de atos secretos, que descumpriu a Constituição no tocante à prática do nepotismo e que foi o mandante de pelos menos parte dos ilícitos imputados ao ex-diretor Agaciel Maia.
Se o Senado, o Conselho de Ética, a tropa de choque, presidente Luiz Inácio da Silva e agregados ainda assim continuarem sustentando que Sarney é vítima de uma conspiração e sua permanência na Casa deve ser defendida, é porque estão dispostos a daqui em diante serem tratados como cúmplices.
Não que isso lhes renda algum prejuízo imediato, mas só por uma questão de nitidez de procedimentos e de respeito aos fatos.
O primeiro e mais eloquente deles remete a uma declaração do já diretor-geral afastado do cargo, avisando que não poderia nem admitiria ser responsabilizado sozinho pela edição de decisões administrativas validadas ao arrepio do preceito constitucional da publicidade.
“Ninguém pode dizer que não sabia”, afirmou Agaciel há pouco mais de um mês. No dia 13 de junho, três depois de o jornal O Estado de S.Paulo revelar a existência dos atos, coincidentemente no mesmo dia 10 em que o ex-diretor casou a filha numa cerimônia à qual compareceram três ex-presidentes da Casa: Renan Calheiros, Garibaldi Alves e, no altar como padrinho, José Sarney.
As denúncias sobre os desmandos já eram divulgadas havia quatro meses e, havia dois Agaciel estava afastado do posto. Ainda assim, aos senadores não ocorreu a inadequação das presenças que confirmavam os laços de intimidade com o funcionário de conduta já condenada. Bem como os organizadores da festa não atinaram para a impropriedade do fundo musical com a trilha sonora do filme O Poderoso Chefão.
Descuido de quem não deve? Não, descaso de quem não teme a lei por acreditá-la forte apenas para as pessoas comuns. As gravações dos diálogos entre o filho do senador, o empresário Fernando Sarney, a filha dele, Maria Beatriz, e o patriarca da família – obtidas com autorização judicial pela Polícia Federal durante uma investigação de tráfico de influência tendo Fernando Sarney como principal alvo – valem por um compêndio em matéria de malversação de poder político.
Mas não revelam só a total sem-cerimônia de uma família no tocante ao uso privado do bem público. Não deixam a menor dúvida a respeito dos modos e meios de atuação do presidente do Senado e a forma pela qual formou seus descendentes dentro do mesmo conceito.
Não é o único? Não, mas é a síntese.
Em meio às conversas em que um avô, um filho e uma neta consideram-se donos de um feudo no Senado Federal, uma frase de Agaciel Maia é definitiva: “Fernando, isso daí só você conversando com o presidente (Garibaldi Alves) ou com seu pai, eu não tenho autonomia.”
Referia-se ao pedido que lhe fazia Fernando para “segurar” para o namorado da filha a vaga antes ocupada pelo filho. O empresário, por sua vez, atendia ao apelo da moça que, conforme lhe ensinara a família, achou que o posto pertencia ao clã.
Estava certa. Dias depois, mediante “uma palavrinha” do avô, o rapaz estava devidamente empregado. De qualificações, funções, tarefas a serem exercidas, de nada disso se tratou nos telefonemas. Ao contrário. Numa outra gravação, esta reproduzindo diálogo entre Fernando Sarney e o filho João Fernando, o que se registra é a zombaria de ambos pelo fato de o rapaz ter sido chamado ao gabinete empregador, do senador Epitácio Cafeteira, para ele dar uma olhada no funcionário.
Nas conversas sobre emprego, só interessa quem deveria falar com quem para fazer de alguém o beneficiário da “colocação”. E, como informou o diretor-geral, para isso seu poder era restrito. Decisões dessa ordem cabem ao chefe.
Ou chefes, pois as quatro palavras fatais – “eu não tenho autonomia” – de Agaciel Maia deixaram bem claro que quaisquer nomeações relativas a senadores eram liberadas mediante autorização superior. Além da responsabilidade específica de José Sarney, fica estabelecido também o nexo entre as ações do ex-diretor geral e as decisões dos senadores que ficam, assim, sob suspeição passível de investigação para que se possa iniciar o tão reclamado trabalho de separação do joio do trigo. Isso na otimista hipótese de existir tal divisão.
Lassidão
Nos dois casos recentes envolvendo repasses de verbas da Petrobras – o desvio de recursos de um patrocínio à Fundação Sarney e o contrato de financiamento com uma empresa em cujo endereço funciona um canil –, a empresa diz que não tem nada com isso.
No primeiro, a fiscalização caberia ao Ministério da Cultura e, no segundo, à prefeitura do Rio. Ainda que possa ter razão formal, a Petrobras teria no mínimo a obrigação de demonstrar algum interesse sobre o emprego do dinheiro que distribui. Por essas e várias outras, a CPI.
Fonte: Gazeta do Povo