Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - É bom estabelecer as premissas: o Congresso, como instituição, precisa ser preservado, dentro daquela máxima já referida ontem de que "ruim com ele, pior sem ele". É claro que, no reverso da medalha, preservar o Congresso não significa omitir seus vícios de funcionamento e, em especial, as baixarias promovidas por seus integrantes, parlamentares e funcionários.
Nesse fio de navalha é que nos encontramos. Parece claro estar à imprensa, em boa parte, sendo alimentada por facções políticas em choque, na tarefa de expor e denunciar as lambanças verificadas no Senado. A turma do presidente Sarney acusa os derrotados de Tião Viana, ou seja, o PT, de passar para os jornalistas detalhes da mansão do Agaciel, do apartamento funcional do sub-Agaciel, da vinda a Brasília de correligionários de Roseana Sarney com passagens aéreas pagas pelo Senado e, mais, de hospedar-se a comitiva na residência oficial do presidente da Casa. Já Tião Viana revida acentuando haver sido o grupo do presidente do Senado, ou seja, o PMDB, a informar a mídia de que sua filha viajou para os Estados Unidos com o celular do pai, pago pelo Senado.
Aproveitou, o senador pelo Acre, para comparar os rebentos, sustentando que sua filha, pelo menos, não teve o escritório de campanha invadido pela Polícia Federal, onde foram encontrados dois milhões de reais em espécie, sem explicação.
Convenhamos, esse confronto ficaria melhor na velha Chicago, no dia de São Valentim. Porque só falta, mesmo, registrar-se um tiroteio em plenário. Aliás, não seria a primeira vez, porque nos anos sessenta um senador, Arnon de Mello, na tribuna, apontou seu revólver para outro senador, Silvestre Péricles, mas acertou num suplente que se despedia dos companheiros, Kairala José Kairala, que morreu na hora.
O papel da Imprensa
Enquanto ainda é tempo, menos para evitar cenas de faroeste, mais para preservar a imagem do Congresso, que os 81 senadores se reunissem em sessão secreta e celebrassem o Pacto pela Dignidade. Fora disso, serão responsáveis por tamanha desmoralização do Legislativo que qualquer aventureiro chegaria lá e decretaria o seu fechamento, sem a menor reação da sociedade. Felizmente não há aventureiros à vista, mas eles costumam aparecer precisamente nessas horas.
Não dá para omitir o papel da mídia nessa confusão. No passado, era moda chutar o poder desarmado, no caso, o Congresso, ao mesmo tempo, fora as exceções de sempre, ignorando e até bajulando o poder armado. Só no final, com o regime dos militares já enfraquecido, viu-se a ditadura alvo da imprensa, como até agora se encontra. Toda denúncia de irregularidade, safadeza, roubalheira e similares deve ser divulgada, por certo que depois de apurada.
O que não pode é servirmos de mãos do gato para retirar as castanhas do fogo, beneficiando maus políticos. Melhor fariam os meios de comunicação se revelassem diariamente as suas fontes. O sigilo da fonte tornou-se norma constitucional, um formidável avanço em nossa legislação. Só que a lei não proíbe que as fontes sejam reveladas, em especial se em proveito da ética e dos bons costumes. Sendo as acusações verdadeiras, ótimo. Ponto para as fontes. Se mentirosas, valeria expor aqueles que pretendem valer-se da imprensa para concretizar seus objetivos.
Artífices do dilúvio
Um menino de jardim da infância concluiria haver algo de errado, porque de alguns anos para cá, sempre com mais intensidade, as chuvas transformam-se em dilúvios. E não apenas nas grandes capitais, mas no interior também. Córregos transformam-se em correntes caudalosas, rios invadem quilômetros de suas margens, alagando e destruindo residências e plantações. Nas cidades populosas fica pior: ruas e avenidas cobertas pelas águas transformam em aventura de sério risco botar o nariz fora de casa. Sem falar nos desabamentos e quedas de barreiras que atingem os mais cautelosos na própria cama.
Não se debitará o caos a São Pedro, apesar de o clima no planeta estar mudando, fruto de nossa própria incúria. Só que a causa desse horror visto quase todos os dias nas telinhas repousa em dois fatores principais: o assoreamento dos rios, no interior, e a falência das galerias pluviais, nas cidades.
A civilização avançando, o consumo crescendo e a falta de cuidados de cada um, gerada pelo egoísmo, entopem cada vez mais o leito dos rios e as redes de escoamento urbanas. Nenhum administrador imagina investir em obras enterradas no solo. Não dá votos. Jogos de cena às vezes acontecem, cercadas de publicidade oficial, mas, na verdade, a inação vale para prefeitos, governadores e... (cala-te boca).
A gente volta os olhos para Paris, Londres, Nova York e outras capitais, verificando terem sido construídas há mais de cem anos galerias até hoje em excelente funcionamento. Daquelas onde até um caminhão poderia transitar. Entre nós, sem exceção de governantes, partidos políticos e regimes, implantaram-se no máximo canos de alguns centímetros de diâmetro. Nos rios, preferem pontes em vez de dragagem para a retirada de entulhos.O resultado aí está: nós entupimos e eles não desentopem. O dilúvio torna-se rotina. Alguém tem notícia de que nas campanhas eleitorais recentes os candidatos dedicaram um simples parágrafo de seus programas para cuidar da questão? E agora que se aproximam as eleições de 2010?
Saída insuficiente
Nelson Jobim, Tarso Genro, José Múcio e o próprio Lula já foram parlamentares. Parece que esqueceram, porque reunidos esta semana, sugeriram solução incompleta para o impasse das medidas provisórias. Mudaram de lado. Parecem adotar até a eternidade aquela característica de quem hoje imagina deter o poder absoluto. Querem preservar ao máximo a prerrogativa de legislar em vez do Congresso. O pior é que José Sarney, que há foi governo, e Michel Temer, que pretende ser, curvaram-se às imposições do governo e aceitaram a meia-sola.
Porque, no fim, muda muito pouco. A Câmara deixará de votar projeto já aprovado no Senado, que de fato reduziria as medidas provisórias. Nem ficaram no meio do caminho, os dois presidentes do Legislativo, mas pertinho da linha de saída. Não chegarão a lugar algum, o Executivo permanecerá mantendo o direito de fazer as leis que bem quiser em especial aquelas sem caráter de urgência e relevância.
Fonte: Tribuna da Imprensa