Rubens Valente
A CPI dos Grampos, no Congresso Nacional, preocupa-se há meses com maletas e interceptações supostamente feitas pelas companhias telefônicas sem amparo judicial, mas os últimos saltos tecnológicos empurraram esses métodos para trás, no submundo das escutas clandestinas. A última onda são programas do tipo "cavalo-de-tróia", vendidos livremente na internet por preços que variam de 100 a 250 por ano. Inseridos num telefone celular, os programas simulam teleconferências, abrindo o áudio de conversas para o invasor.
"Cavalo-de-tróia" é um programa que, instalado, derruba as proteções do aparelho e abre espaço para o invasor.
O novo patamar do grampo de alta tecnologia foi debatido em seminário promovido no auditório JK, da Procuradoria Geral da República, em Brasília, pela organização não governamental Cipae (Comunidade de Inteligência Policial e Análise Evidencial), formada por investigadores do Ministério Público Federal, peritos da Polícia Federal, auditores da Caixa e do Banco Central e funcionários da Agência Brasileira de Inteligência, entre outros.
Um site na internet, supostamente sediado em Taiwan (o endereço não será divulgado para não ajudar a propagar o arquivo), oferece programas do gênero em quatro versões. Pode ser comprado com cartão de crédito e baixado pelo site. Segundo a empresa, o programa ajuda a revelar "traição de mulheres e maridos", "impedir espionagem de empregados", além de "proteger crianças", já que os pais poderiam passar a ouvir as conversas dos filhos.
Na versão "bug", diz o site, o programa possibilita o acionamento remoto do celular, que passaria a funcionar como um gravador do ambiente.
No seminário em Brasília, o empresário alemão Wilfried Hafner, dono de uma empresa que desenvolveu programas de criptografia, afirma ter criado, "apenas para demonstração", um programa que, acoplado ao "cavalo-de-tróia" já disponível, conseguiria invadir um celular por mensagens de texto.
A possibilidade de infecção pelo método explicado por Hafner não é consenso nos fóruns de debate especializados na internet. Especialistas dizem que não está comprovada essa possibilidade, porém reconhecem que programas "cavalo-de-tróia" possam ser usados para interceptações telefônicas, desde que o invasor consiga ter em mãos o aparelho.
Transcrições
A tecnologia que avança para facilitar o crime também melhora as ferramentas de combate ao crime. No seminário em Brasília, outra empresa que pretende fechar contratos com órgãos públicos e privados exibiu um avançado programa de computador de busca e interpretação de dados, uma espécie de super-Google.
Numa de suas versões mais avançadas, que custa cerca de R$ 1,8 milhão, o programa consegue transcrever áudios em português, em tempo real, com elevada margem de acerto. Órgãos públicos brasileiros com função investigativa, como o Ministério Público Federal, estudam adquirir módulos do programa para poder ganhar velocidade nas transcrições de telefonemas interceptados com ordem judicial. Hoje uma das críticas feitas por advogados de investigados é a ausência, nos processos, das íntegras dos telefonemas interceptados.
Presidente da Cipae, PF Renato Barbosa, diz que a entidade combate o "secretismo" nos setores do governo que atuam com dados da inteligência. "Todo conhecimento novo que obtivermos será compartilhado com outros investigadores".
Fonte: Folha de S.Paulo (SP