Alessandra Mello
O sistema político brasileiro está falido. Não existe uma correspondência entre o que os partidos pregam em seus estatutos e programas e o comportamento adotado por eles quando alcançam o Legislativo ou o Executivo. Isso não é nenhuma novidade, mas a situação vem se degenerando a cada ano, em função da falta de regras mais rígidas para que os partidos tenham uma identidade de verdade e sejam de fato representativos.
Um passo neste sentido já foi dado. Infelizmente, pelo Supremo Tribunal Federal , com a instituição da fidelidade partidária, e não pelo Congresso Nacional, a quem cabe oficialmente o papel de legislador. Mas deputados e senadores já querem recuar e abrir uma brecha para a tradicional dança de cadeiras, sempre embalada pela música do momento, sem nenhum compromisso com o gosto musical dos eleitores.
Com um repertório tão variado, é impossível prever qual regra vai valer para as próximas eleições. A cada disputa, elas mudam. Quando o presidente Fernando Henrique Cardoso queria prolongar seu mandato, aprovou-se a reeleição. Agora, já falam em acabar com essa prática com o objetivo de acomodar os interesses daqueles que almejam o lugar do presidente Lula no Palácio do Planalto.
Outros discutem a possibilidade de um terceiro mandato. Em relação às regras da campanha eleitoral, as mudanças também são uma constante. Uma das últimas foi em 2006, depois do escândalo do mensalão, mas restringiu-se basicamente ao financiamento das campanhas eleitorais, na tentativa de evitar o caixa dois. Logo após esse episódio, a discussão sobre a reforma política voltou à ordem do dia. Esse é um assunto recorrente na pauta da vida política brasileira. Há anos, ele entra e sai da agenda dos congressistas, sempre orientado pelos interesses eleitorais e partidários, com alcance pequeno e de curtíssimo prazo.
Foi assim também no ano passado, quando um dos principais projetos sobre a reforma (são muitas as propostas que alteram o sistema partidário e eleitoral brasileiro) em tramitação no Congresso Nacional foi aprovada pela comissão especial para tratar do assunto (uma das muitas criadas ao longo dos anos) e chegou a ser votado no plenário da Câmara. Mas os deputados analisaram e rejeitaram apenas um dos tópicos da proposta: as listas fechadas nas eleições proporcionais (deputado e vereador). Nelas, os eleitores votariam nos partidos e não nos candidatos. As legendas teriam direito ao número de cadeiras proporcional à quantidade de votos obtidos e iriam preenchendo essas vagas com os primeiros nomes das listas.
SISTEMA HÍBRIDO SEM CONSENSO
Chegou-se a cogitar um sistema híbrido, com metade das vagas preenchidas pelo sistema de lista e o restante pelos candidatos mais votados. Não houve consenso e o projeto inteiro de reforma acabou emperrado. O assunto acabou atropelado pelas eleições e ficou parado na Câmara.
Apesar do fracasso dessa votação, em que ficou evidente a falta de interesse do Congresso, em agosto, o governo federal resolveu ressuscitar a discussão e enviou um conjunto de propostas que ainda não viraram projetos, para pressionar os parlamentares a tratar novamente da reforma.
Elaborada pelo Ministério da Justiça, a proposta do Executivo esteve aberta para a consulta pública até o último dia 15. Nesse período, foram recebidas 222 sugestões da sociedade a respeito dos seis temas incluídos no pacote governista: novamente a lista fechada, inelegibilidade e financiamento público de campanha - os mais abordados -, fidelidade partidária, regras para restringir as coligações e cláusula de barreira. A maioria absoluta das sugestões partiu da população.
O teor das propostas de iniciativa popular não foi divulgado pelo Ministério da Justiça, mas, se forem aceitas serão incorporadas ao texto que o governo pretende enviar ao Congresso em forma de projetos separados para facilitar sua aprovação, quem sabe em 2009, véspera de ano eleitoral.
É um consenso nacional a necessidade de promover uma reforma política de fato, capaz de fortalecer as instituições partidárias e democráticas, legitimar os mandatos conquistados pelo voto e garantir a cidadania a todos os brasileiros. O Brasil tem hoje um quadro partidário caótico com 37 legendas, muitas de aluguel e sem nenhum conteúdo, não existe legislação eleitoral duradoura, e a cada pleito vale uma regra, o que é um risco para a democracia. O problema é que. apesar de esta ser uma avaliação unânime, continuamos no meio do caminho.
Fonte: Estado de Minas (MG)