Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Assentada a poeira das eleições municipais, voltam-se as atenções para o primeiro grande teste a que se submete o governo Lula desde o longínquo janeiro de 2003. Porque, apesar de explosivos, viraram fumaça o mensalão, as quedas de José Dirceu e Antônio Palocci, até a plácida reeleição de 2006. Não sobrevieram, desde a primeira posse, crises econômicas mundiais capazes de nos atingir.
Agora é diferente. Fomos atingidos. Desenvolve-se grave crise econômica, em condições de consagrar ou de destruir o governo Lula e sua popularidade. O País, também. No comportamento do Palácio do Planalto e adjacências estará a chave para a sucessão presidencial de 2010. Fator até menos importante do que as conseqüências de uma débâcle da economia nacional.
Criatividade e coordenação tornam-se a maior necessidade, neste final de ano e nos dois anos seguintes. Haverá que enfrentar a crise com mecanismos próprios, brasileiros, sem perder de vista o que fazem outros países diante do mesmo desafio.
Adianta pouco o governo ficar alardeando não haver restrição no crédito, porque há. Os bancos, mal ou bem, defendem-se e são defendidos. Já impuseram seletividades férreas na concessão de empréstimos rigorosas e, a arriscar, preferem comprar títulos do governo. Ao mesmo tempo, credenciam-se para receber dinheiro fácil dos cofres públicos, apesar das afirmações do próprio presidente de não estar ajudando quantos especularam com o dólar futuro. Está, porque todos especularam, no sistema financeiro e nas grandes empresas privadas e públicas.
Em paralelo, é imprescindível o governo uniformizar o seu discurso. Presidente, ministro da Fazenda, Banco Central, BNDES e penduricalhos precisam unificar ações e afirmações. Chega de ficarem batendo cabeça.
Passou o prolongado período das vacas gordas, da multiplicação das exportações, do agronegócio, da expansão de empresas como a Vale e a Petrobras, da indústria automobilística e outras. Agora, o Luiz Inácio precisa ser rebatizado de José, aquele primeiro-ministro do faraó, referido na Bíblia. E se o nosso presidente não poupou como o outro, pior ainda.
Abrem-se dois cenários principais, na dependência do sucesso ou do malogro daquilo que o governo vier a fazer para enfrentar a crise. Dando certo, dificilmente deixará de crescer a importância de os atuais detentores do poder continuar onde estão, seja através de uma candidatura tipo Dilma ou por meio da tese do terceiro mandato, da prorrogação por dois anos ou coisa parecida. Não se muda a tripulação do barco em meio à tempestade.
No reverso da medalha, sobrevindo o empobrecimento nacional, a inflação, as falências, o desemprego e a desilusão, não haverá como evitar a vitória de um candidato de oposição, muito possivelmente José Serra. Em suma, está o governo numa encruzilhada.
Até que ele aceita
Admitiu o presidente Lula que não premiará nem punirá vencedores ou derrotados nas eleições passadas. Traduzindo: não abrirá mais espaço para o PMDB, dado o aumento dos votos e das representações do partido, assim como não reconvocará Marta para o ministério.
Atribui-se ao presidente outra diretriz: não exigiria do PMDB apoio irrestrito e fechado a uma candidatura do PT para a presidência do Senado, no caso, Tião Viana. Acomodar-se-ia à decisão do maior partido nacional de presidir as duas casas do Congresso, em especial em torno de Michel Temer e de José Sarney.
O diabo para Lula é como conter a reação entre os companheiros, mas já se sabe que seus deputados não declarariam guerra ao PMDB por conta dos reclamos de seus senadores. Os companheiros sabem quando ser radicais e quando botar na cabeça o chapéu da conciliação.
A aglutinação de senadores em torno de Sarney transcende a bancada de seu partido. Ontem mesmo, o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, declarou a disposição de sua bancada no Senado apoiar o ex-presidente, da mesma forma como se oporá à candidatura de Tião Viana. O mesmo deve acontecer com o DEM, e a razão parece uma só: as oposições começam a namorar o PMDB, que se integra à aliança governista e apóia Lula, quem sabe não mude de postura até 2010, apoiando Serra? Tudo depende de negociar...
Lições de Milton Campos
Teria sido bem diferente a história do Brasil no caso da vitória de Milton Campos, da UDN, em 1960, candidato que era a vice-presidente na chapa liderada por Jânio Quadros, apoiado por diversos partidos. Naqueles idos, votava-se em separado para presidente e para vice. Era candidato pelo governo o marechal Teixeira Lott, com João Goulart, do PTB, para vice. Um terceiro candidato disputava o cargo, Fernando Ferrari, dissidente do PTB.
O resultado foi a vitória de Goulart, peça chave para o golpe intentado por Jânio Quadros em agosto de 1961, quando renunciou imaginando que o povo o reconduziria dois dias depois, como ditador. Renunciou por saber que os militares não admitiriam a posse de João Goulart. Assim, tivesse Milton Campos sido eleito, o presidente nem pensaria em renunciar.
Tempos depois, já no Senado, pediram ao dr. Milton explicações sobre por que havia perdido a eleição, não tendo o mesmo número de votos de Jânio Quadros. Esperavam que ele vibrasse tacape e borduna no lombo do renunciante, então cassado e no ostracismo, mas preferiu a resposta mais educada e verdadeira: "Porque o meu adversário teve mais votos do que eu...".
A história se conta para ajudar a fazer cessar as mil e uma explicações e protestos pelas derrotas de domingo passado. Gabeira, Marta, Maria do Rosário, Leonardo Quintão e outros perderam porque seus adversários tiveram mais votos. Ponto final.
Homenagem ao comandante
O presidente Lula estará em Cuba, neste fim de semana. Se Fidel Castro estiver bem de saúde, irá visitá-lo. Prevista há meses a viagem, não deixa de ser singular a coincidência com a proximidade da reunião de Lula com o presidente George W. Bush e outros potentados do mundo rico, em Washington. Não se adotará a imagem de estar uma vela sendo acesa para Deus e outra para o Diabo, até porque existem dúvidas sobre quem é quem, nessa peregrinação pelo Hemisfério Norte. Mas o Aerolula voltará ao Brasil com um certo cheiro de enxofre...
Fonte: Tribuna da Imprensa