por Leopoldo Stefanno Leone Louveira
A despeito dos avanços em diversos aspectos nos últimos anos — informatização, transparência, criação do Conselho Nacional de Justiça, entre outras — não há dúvida de que o maior mal de que ainda padece o Poder Judiciário é a sua lentidão.
Burocracia, quadro funcional deficiente, poucos juízes, apego excessivo à formalidade são apenas alguns dos motivos que poderiam justificar esta afirmação. Não é novidade que, salvo felizes exceções, a tramitação dos feitos ocorre a passos de tartaruga. Meses, anos, às vezes décadas, para se efetivar a prestação jurisdicional ao cidadão.
Na área do processo penal, quando se está em jogo o status libertatis do indivíduo em face da pretensão punitiva estatal, a falta de celeridade acarreta um problema ainda mais preocupante. Com o acusado preso, o Poder Judiciário tem a obrigação de, dentro do possível, analisar e julgar as questões levantadas com a máxima brevidade.
Mesmo diante da óbvia constatação, não é isso o que geralmente ocorre. Basta o mínimo de exercício diário da advocacia criminal, para se verificar que um Habeas Corpus em caso de acusado preso costuma demorar em média mais do que dois meses — numa previsão otimista — para ser apreciado por nossos Tribunais de Justiça e Regionais Federais. Nas Cortes Superiores, a situação não é diferente. Só no Ministério Público os processos ficam, no mínimo, duas semanas para prolação de parecer. Há casos de Habeas que levaram mais de anos para ser julgados.
No entanto, analisando os últimos “capítulos”1 do caso da morte da garota Isabella, deparamo-nos com uma notícia inusitada, até surpreendente, digna de uma breve reflexão.
Sem adentrar na discussão de mérito sobre a necessidade ou não da custódia cautelar na hipótese em questão, há algo a se ponderar. A atuação de nossas Cortes na apreciação da Ação Penal e dos respectivos incidentes processuais daquele rumoroso caso vem sendo “exemplar”, diria quase que “ideal”.
Para se ter uma idéia, veja-se o trâmite da ordem de Habeas Corpus impetrada pelos advogados do casal apontado como autores do delito no Superior Tribunal de Justiça2, no qual se buscava a revogação da prisão preventiva imposta aos Pacientes: o writ foi protocolizado, distribuído e teve a liminar analisada (e indeferida) pelo ministro relator no mesmo dia (!). No dia seguinte, os autos foram encaminhados à Subprocuradoria da República — e retornaram na mesma data (!) — com parecer oferecido. A Turma Julgadora, então, apreciou (e denegou) o pedido na primeira (!) sessão de julgamento subseqüente. A duração total do processamento foi de exatos doze dias — ou melhor, de surpreendentes sete (!) dias úteis, descontados final de semana e feriado —, tudo conforme andamento disponível no site do STJ e com cada etapa sendo amplamente veiculada pela imprensa.
Muito embora — é importante que se diga — se trate de matéria específica com relação à aplicação (ou não) da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal no tocante à possibilidade de se atacar a decisão de indeferimento da liminar pelo desembargador relator do habeas no Tribunal de Justiça, sem sombra de dúvidas, trata-se do writ com julgamento mais rápido da história do egrégio STJ.
Isso sem falar na agilidade fenomenal da própria Polícia Judiciária, no âmbito das investigações finalizadas no prazo recorde de 30 dias, em hipótese tão complexa, e também do Juízo de primeiro grau que já procedeu ao interrogatório dos acusados.
Pois bem. Diante de tais fatos, é pertinente a seguinte consideração: na verdade, a Justiça brasileira é rápida, eficiente, ágil, com decisões mais do que imediatas. O Judiciário deu mostras de que, ao contrário do que parece, não está emperrado, atulhado de processos. Talvez toda essa propalada morosidade não passe de uma ilusão coletiva ou resultado de uma análise pessimista da atual conjuntura...
Ou então, deixando a ironia de lado, não custa perguntar: será que tudo está correndo rápido por se tratar de um denominado “caso de mídia”, com acompanhamento online, em período integral, que mexe com a opinião pública? Será que se está buscando, com isso, passar a impressão de que a Justiça é ágil? Que não haverá mais “impunidade” no país? E as outras centenas, milhares de casos que envolvem pacientes que não tiveram a “sorte” de serem famosos? Será que também recebem o mesmo tratamento prioritário?
Aliás, pobres dos advogados que têm de explicar o inexplicável aos clientes presos e seus familiares quando questionados do porquê da demora infindável do Habeas Corpus deles em comparação com o trâmite do remédio heróico do casal famoso.
Concluindo esta despretensiosa análise, é importante destacar que não se está aqui, por óbvio, advogando a tese de que a Justiça deve ser lenta. Ou mesmo que este caso específico deveria seguir a morosidade dos feitos, digamos assim, ordinários. Não. Longe disso. O que se busca trazer ao debate é o absurdo da situação de, somente quando presentes os holofotes da opinião pública, o Judiciário dar demonstrações de eficiência.
O Estado Constitucional de Direito pressupõe a duração razoável dos processos, sempre preservados, claro, o devido processo legal e a amplitude de defesa, tão caros ao cidadão. Também é preciso destacar a necessária serenidade do magistrado ao tomar decisões tão importantes para a vida das pessoas.
Nesse contexto, aguarda-se que nossos juízes se espelhem nessa atípica agilidade do sistema para aplicar e distribuir Justiça de forma igualitária e democrática, pouco importando quem sejam os “clientes” do Judiciário.
Triste do país que precisa de uma tragédia familiar como essa para “fomentar” o andamento dos processos judiciais de réus presos. Afinal, chegaríamos ao absurdo de desejar que todos os pacientes de Habeas Corpus tivessem o sobrenome “Nardoni” a fim de assegurar a almejada celeridade processual deste tão importante instrumento jurídico...
Nota de rodapé:
1. A palavra mais adequada para se definir o andamento deste processo é essa mesma, em face da verdadeira novela criada pela cobertura da mídia. Aqui se vale da licença poética.
2. HC n.º 106.742, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO — 5.ª Turma
Fonte: Revista Consultor Jurídico
Leopoldo Stefanno Leone Louveira: é advogado criminalista em São Paulo.