Secretaria sabia de tudo que acontecia na PLB
Por Silvana Blesa
Cansado das irregularidades detectadas durante um ano em que comandou a Penitenciário Lemos Brito, o ex-diretor Luciano Patrício, exonerado ontem, abre o jogo e revela que enviou relatório à Secretaria da Justiça, pedindo providências. Sem ter resposta, solicitou a secretaria Marília Muricy sua demissão do cargo, uma vez que não concordava com os desmando que ocorriam na PLB e nada podia fazer para solucionar os problemas. Mais uma vez não foi atendido. A secretária não aceitou sua demissão e pediu que permanecesse no cargo por mais algum tempo, alegando que não tinha outra pessoa para lhe substituir. Patrício confirma que o traficante é responsável por 40% do trafico na Bahia, movimentando cerca de R$ 4 milhões por mês. Patrício revelou ainda que solicitou ao promotor Edmundo Reis, do Ministério Público, a transferência de Genilson Lino da Silva, o “Perna” para um presídio de segurança máxima, até mesmo em outro Estado, por considerar que um elemento com perfil como o de “Perna”, e considerado de alta periculosidade, não poderia jamais estar na PLB. “Eu estava cansado. É muito desgastante esse trabalho, que tem muitos problemas e grandes dificuldades para resolver”, disse Patrício. Conforme ainda o ex-diretor, o problema que se encontra o presídio não é uma realidade apenas em Salvador e sim do Brasil. “O tráfico de drogas é como um câncer, que se espalha por todas as partes e gera lucro aos traficantes”, revelou. O ex-diretor confessou que não tinha conhecimento do dinheiro e nem das armas dentro da cela do traficante, mas revelou que já tinha apreendido desde sua posse 200 aparelhos celulares, mais de 100 pedras de crack, 1,100kg de maconha. Patrício analisou que drogas e aparelhos celulares só poderiam entrar no presídio através dos funcionários da cozinha, de soldados da PM ou por agente penitenciário. “Há um mês prendemos em flagrante um agente penitenciário com pedras de crack para entregar ao traficante. Ele foi detido e entregue a Polícia Civil”, reforçou o ex-diretor. Sobre as regalias de que o traficante era beneficiado, Patrício disse que a Lei de Execução Penal permite a entrada de televisão, geladeira e as comidas segundo o ex-diretor eram levadas pela família do preso. “Inclusive a lei permite que em datas comemorativas os presos recebam seus parentes na sexta-feira e saia no domingo. Para ser mais claro, “Perna” está preso aqui há oito anos, eu estava na direção há um ano, isso evidencia que ele sempre comandou o tráfico daqui de dentro e a culpa não é minha”, desabafou. Patrício ainda disse que “Perna”, é tido na Penitenciária Lemos Brito como um líder. “Acredito que ele obteve hierarquia sobre os demais presos, por pagar advogados de presos e compra de caixão quando um parente de um detento morre, entre outros favores”, disse. “Eu sempre ajudei o Estado. Achei necessária a operação que aconteceu, mas me senti como um “boi de piranha”. Agora irei me apresentar à SSP e voltar às minhas atividades como delegado”, explicou
MP investigará todo o sistema
; As mordomias do traficante “Perna” foram cessadas. Mas, existem denúncias de “paraíso prisional” também para marginais de outras facções, como no caso do conhecido “Cabeção”. Sem querer adiantar novos procedimentos e presos a serem investigados, a promotora Ana Rita Nascimento, do Ministério Público, assegura que a partir de agora aumentará o leque de investigações. “Com o trabalho de investigação e apuração de denúncias se conseguiu provar que irregularidades existem na Penitenciária Lemos Brito, mas os próximos passos serão dados para se enxergar o sistema prisional como um todo”. A promotora assegura que o momento é para responsabilizar quem facilitou as irregularidades. Admite que tem muito trabalho pela frente, mas entende que é preciso se chegar a exaustão e conseguir o ideal. Ana Rita Nascimento tomou conhecimento que pela manhã, mulheres de presos se mobilizaram defronte ao Complexo dos Barris. Uma delas utilizou um celular para falar com o marido, preso na Penitenciária Lemos Brito, sem qualquer entrave, “Isso somente aconteceu para provar que o MP está certo, que existem outras regalias que deverão ser corrigidas”. Sobre a lista encontrada com o traficante e possíveis nomes de jornalistas, delegados e policiais, a promotora pede retificação. “Foram apreendidos cadernos e agendas com valores apenas”. E a ausência de representantes da Secretaria de Justiça na Operação, ela justifica alegando que foi um trabalho do Ministério Público, Secretaria de Segurança Pública, Policia Militar e Superintendência de Inteligência. “Um processo de políticas públicas e de segurança em razão de denúncias dentro da penitenciária”, qualificou, dizendo que “foram investigações para medidas judiciais e procedimentos que não eram inerentes a pasta da Secretaria de Justiça”. A operação da polícia baiana que conseguiu desarticular uma das maiores organizações criminosas do Estado, envolvida em tráfico de drogas, homicídios, assaltos a bancos e seqüestros foi elogiada pelo governador Jaques Wagner em seu programa de rádio semanal. Foram presos, em diversos bairros de Salvador, 26 integrantes da quadrilha, 13 em flagrante. “Foi uma operação preparada há meses e aquele que chefiava, dentro do presídio, as operações do tráfico, possivelmente será transferido”, afirmou Wagner ao ressaltar que tudo foi feito dentro do que exige a legislação e com acompanhamento do Ministério Público. “Creio que é uma resposta à cobrança da sociedade”, frisou ao elogiar e parabenizar a atuação dos policiais civis e militares. Reuniões a porta fechada e isolamento foi o que se viu ontem nas dependências da Secretaria de Justiça da Bahia. Durante toda a tarde, a titular da pasta, Marília Muricy, não quis falar com a imprensa. De acordo com sua assessoria, uma comissão foi formada para apurar todas as irregularidades constatadas e punir os culpados. Para justificar as mordomias do traficante “Perna”, ressaltou que a Lei de Execuções Penais não proíbe alguns aparelhos em cela e prevê a ressocialização. Sobre as demais exonerações ventiladas durante toda a manhã, a secretária disse que ninguém será dispensado até que seja finalizada apuração. A saída de Luciano Patrício, publicada ontem no Diário Oficial, era tida como certa na noite de segunda-feira. Apesar de aprovar a operação Big Bang , admitiu que não foi chamada a participar, mas reafirmando o que havia dito na véspera: “faltou diplomacia da Secretaria de Segurança”. Ao assumir a pasta Muricy apontou o problema do crime organizado nos presídios e diz que, por este motivo tem conversado muito com o Ministério Público. Garante, inclusive, que tem investido no que chamou de moeda de troca, dando saúde , educação e trabalho para evitar que o crime organizado e o tráfico domine a massa carcerária. Mas pelo que se viu, a tática não está funcionando. (Por Maricelia Vieira)
Perplexidade
; Paulo Roberto Sampaio - Diretor de Redação Confesso que ainda estou, assim como muitos baianos, perplexo. Não sei se o que mais me surpreende nesta história é a descoberta feita pela polícia na Penitenciária Lemos Brito, onde um megatraficante tinha até as chaves da própria cela, montou uma suíte equipada com TV de plasma, equipamentos de musculação, geladeira, bem abastecida, telefones celulares, arma e dinheiro, muito dinheiro, ou o fato de todo este absurdo acontecer há tanto tempo e ninguém fazer nada. Não sei se o que mais me surpreende é a certeza da impunidade do traficante, recomendando com autoridade a um agente que tomasse conta de sua cela enquanto seguia com os policiais ou toda a operação montada para “prender” um preso que dormia candidamente em sua cela. Ação documentada em seus mínimos detalhes, com flagrantes de um realismo espantoso, como a surpresa do responsável pela área, uma espécie de carcereiro, que parecia não saber o que dizer quando lhe perguntaram onde estava a chave da cela, afinal ela estava com o próprio preso, ou do policial que descobriu a fortuna guardada na cabeceira da cama do traficante, disparando um bem baiano:”Vixe Maria!”. Ação digna dos maiores elogios, não tivesse acontecido dentro de uma penitenciária, pasmem, em área restrita onde o Estado é soberano e dela devia cuidar e jamais compactuar e por tanto tempo com mazelas desse porte. Ação que não se encerra com o cinematográfico flagrante nem a demissão do diretor da instituição, até porque ele já havia denunciado às esferas superiores tudo que de absurdo ocorria no presídio havia oito meses e nada foi feito. Muitas perguntas estão sem resposta e é dever do Estado, junto com o Ministério Público, esclarecer direitinho essa história. Por qualquer das óticas que use, um fato é inquestionável: a segurança pública na Bahia está de cara nova. Pode não ter ainda a eficiência que se espera para um combate que se revela, dia após dia, mais desigual e sangrento, contra o tráfico e o crime organizado que avançam no Estado, mas caminha em busca da moralidade, no combate a promiscuidade que parece contagiar parte do organismo da polícia e da Justiça baiana. Uma exigência do governador Jaques Wagner. “Perna” está atrás das grades há mais de cinco anos e passou os últimos 17 meses gozando das mesmas regalias que tinha no governo passado. Ou até mais. E ninguém fez nada para mudar essa situação. Ao desnudar tão bisonha epopéia acaba a própria polícia revelando o quanto de absurdo há no submundo do crime, salpicando sobre muitos que estão em volta resquícios da podridão que ali impera. Mas isso é transparência, algo que o atual governo tanto persegue e defende. Se ficou mal para a secretária de Justiça Marilia Muricy uma ação deste porte ser desencadeada em sua pasta, sem sua participação direta ou sequer seu conhecimento, o sucesso da operação comandada pela SSP e MP deveu-se, exatamente, ao sigilo imposto. Menos por comprometimento direto da titular da pasta, figura ímpar e reconhecida pela sua história, mas pelo risco que o vazamento da operação poderia representar para todo o processo. E dar margem, quem sabe, a “Perna” esvaziar sua cela, depositar os milhares e milhares de reais que ali guardava num banco, se livrar dos bagulhos que lá estavam e, pelo menos, devolver a chave ao atrapalhado carcereiro, além de acordar com uma cara menos amassada para aparecer na TV.
Fonte: Tribuna da Bahia