Villas-Bôas Corrêa
Em unanimidade compreensível, todos os registros na mídia, de revistas, jornais, noticiários de rádio e TVs , da morte do senador Jefferson Péres (PDT-AM) enalteceram como a marca do seu caráter e da sua atuação política, o compromisso moral com a ética, na irrepreensível atuação parlamentar e na militância política.
Nada mais justo e até mesmo de didática adequação na fase crítica que o Congresso, em especial, com repique no Executivo e no Judiciário, padece como moléstia contagiosa.
Não fui amigo do combativo senador. Falamos várias vezes por telefone, a última vez há duas semanas, quando marcamos um jantar no Rio, no seu restaurante predileto no Leme, bairro onde conservava um apartamento para as raras temporadas na ex-capital.
Mas, o velho hábito de veterano repórter político levou o giro da tentativa de análise do vazio que se aprofunda no transe moral da atividade política com o desaparecimento do ativista às comparações com os quase 60 anos de militância na cobertura política. Na marcha à ré estacionei no trecho entre 1948 a 21 de abril de l960, em que freqüentei a Câmara dos Deputados, no Palácio Tiradentes, com esticadas no Senado, na fase de ouro da oratória parlamentar, em que os debates entre o governo e a oposição lotavam as modestas galerias e repercutiam na ampla cobertura da imprensa, com o espaço cativo das seções fixas nos matutinos e vespertinos.
Na tela da saudade, os grandes momentos evocam não apenas os destaques nas bancadas do PSD, da UDN, do PTB e dos demais partidos, mas, as diferenças entre duas épocas que parecem separadas por séculos. E que se refletem no estilo das biografias que compõem a galeria dos notáveis. Tropeço no ressalto que alerta para a diferença: nos longos textos de livros ou de artigos sobre os parlamentares do tempo em que o Rio era a capital do país, o compromisso com a ética jamais merece o destaque da uma raridade, como o uníssono elogio ao senador Jefferson Péres.
E realmente não faria sentido destacar o que era a regra e não uma das cada vez mais raras exceções. Basta citar alguns exemplos: Nereu Ramos, Otávio Mangabeira, Raul Pila, Artur Bernardes, Afonso Arinos, Gustavo Capanema, Tales Ramalho, Petrônio Portela, Brochado da Rocha, Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto, Israel Pinheiro, Magalhães Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Nestor Duarte, Oscar Dias Correia e mais algumas centenas, entre os quais a maioria dos líderes estaduais e municipais, de atuação discreta, sem brilho oratório, mas que honravam o seu mandato na defesa dos interesses da sua região.
É claro que o Congresso do modelo brasiliense pode apresentar uma relação de parlamentares de pouco destaque, mas que se dão ao respeito.
Mas a decadência da instituição não poupa os que se retraem. E se a crise ética é de uma evidência que entra pelos olhos, as perspectivas de uma reviravolta são desanimadoras. A atração das mordomias, das vantagens, das facilidades é quase irresistível. Quantos escapam da tentação de ressarcir despesas pessoais, que nada têm com o exercício do mandato, nos fins de semanas nas suas bases eleitorais, com os R$ 15 mil mensais da indecorosa verba indenizatória? E quantos aceitam provar e justificar como são aplicados os R$ 61 mil da verba de gabinete para contratar assessores, que ou são cabos eleitorais ou parentes e cupinchas que embolsam a grana e não têm nada para fazer?
Um dia o Congresso terá de enfrentar o desafio de faxina na Casa, por enquanto inviável. E mais difícil com a ausência do senador Jefferson Péres. O recado da sua vida, do seu exemplo, incomoda, mas não cura o despudor de um Legislativo suicida.
Fonte: JB Online