Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - À beira do leito de um parente desenganado, a família precisa explicar a um netinho o que está acontecendo. Falam ser a febre a causa de tudo, já chegava aos 42 graus. A criança, dentro da lógica peculiar da idade, agarra o termômetro, joga no chão, pisa em cima e conclui: a febre acabou, meu avô está salvo...
Outro não parece o comportamento do governo ao reduzir a crise do dossiê FHC à busca desenfreada do funcionário que vazou para a revista "Veja" e para o senador Álvaro Dias detalhes de compras efetuadas em favor de Dona Ruth, com cartões corporativos. Como no caso do termômetro, estão atribuindo a um possível tucano infiltrado entre os companheiros toda a responsabilidade pela lambança.
Porventura identificado o servidor, pronto: acabou a crise.
Parece coisa de criança, mas é pior. Trata-se de desfaçatez pura. De uma pueril tentativa de abafar responsabilidades, porque no fundo da questão está a iniciativa da Casa Civil, de sua chefe e, quem sabe, do chefe dela, de vasculharem os gastos do antecessor e seus familiares com os famigerados cartões corporativos. Esse é o delito maior, perpetrado com a intenção de ameaçar tucanos e penduricalhos com a alternativa: se investigarem os gastos do presidente Lula, mulher e filhos, divulgaremos os gastos dos tempos do sociólogo.
É bem provável, até, que não tenha havido espião nenhum, mas que um indigitado funcionário palaciano recebeu a incumbência de fazer chegar ao PSDB detalhes da longa pesquisa feita nas contas do ex-presidente. A cocada azedou porque alguém da bancada tucana repassou o material para a revista semanal, e não foi o senador Álvaro Dias.
O importante no episódio não é sequer identificar o cérebro responsável pela ameaça feita às oposições. Identificada já está a ministra Dilma Rousseff e suas auxiliares na Casa Civil. Se o presidente Lula participou e autorizou, se simplesmente tomou conhecimento ou, no reverso da medalha, se não sabia de nada, é outra história.
O que positivamente não dá para aceitar é a farsa da procura do suposto criminoso. Para o governo, a crise estará encerrada com a identificação. Quanto à devassa nos negócios de FHC, a ameaça feita aos adversários e, acima de tudo, a necessidade de evitar a investigação de supostas irregularidades no uso dos cartões corporativos da família Lula - tudo isso precisa ir para debaixo do tapete. Convenhamos, pensam no Palácio do Planalto que somos todos crianças?
Atacam os efeitos, não as causas
Nessa abominável epidemia de dengue no Rio de Janeiro e adjacências, devem ser repartidas as responsabilidades entre os governos municipal, estadual e federal. Agora que os cidadãos cariocas e fluminenses andam em pânico, com as autoridades desdobrando-se para encontrar meios e leitos para atender os infectados, seria bom perguntar porque, desde o governo Fernando Henrique, demitiram quase todos os mata-mosquitos em atividade na antiga capital. Ou porque o governo do companheiro Lula manteve a decisão.
Os diversos governos do Estado do Rio de Janeiro, inclusive o atual, deram de ombros para a defasagem de hospitais públicos e postos de saúde, pois, afinal, eles não dão lucro. Só prejuízo. E quanto à Prefeitura do Rio, por que paralisou a atividade daqueles fumigadores que percorriam bairros e subúrbios jogando fumaça pelas ruas, sabendo-se ser a solução para reduzir a proliferação dos mosquitos? Agora, além de correr atrás, cada um dos responsáveis põe a culpa no outro. Saber se a epidemia é federal, estadual ou municipal torna-se a grande questão...
Assessores para fora!
Na reunião da Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado, esta semana, seu presidente, Marconi Perilo, precisou interromper os trabalhos e mandar que saíssem do plenário assessores do PT, acusados de tumultuar a ação de seus próprios senadores. Perilo formulou reclamação por escrito ao presidente do Senado, Garibaldi Alves, que prometeu tomar providências.
Assim é demais
De vez em quando a oposição extrapola. Foi o que fez o presidente do Democratas, Rodrigo Maia, ao entrar com ação no Supremo Tribunal Federal pedindo que o presidente Lula interrompa suas viagens pelo País, sob a alegação de estar fazendo campanha em ano de eleições municipais. Em campanha o presidente está, não se duvida, mas voltado para a sucessão de 2010, até com Dilma Rousseff a tiracolo. Nos palanques, não se ouviu até agora uma só recomendação do Lula em favor de candidatos a prefeito. Proibi-lo de fiscalizar obras do PAC, porém, é demais.
Sem regulamentação
Promulgada em 1988, a Constituição deixou mais de cem nós para a lei ordinária desatar. Numa série de debates, os constituintes não chegavam a uma conclusão, na acirrada disputa entre o chamado Centrão e os Progressistas. Os trabalhos entravam pelo segundo ano com impasses tão importantes quanto variados. Assim, o presidente Ulysses Guimarães encontrou uma solução "à brasileira": deixar que a lei ordinária definisse aquilo que a Constituição não conseguia. Foi fixado o prazo de cinco anos improrrogáveis para o Congresso agir.
Em muito caso, até hoje não agiu. Falta, por exemplo, regulamentar o princípio de que a lei criará mecanismos para a defesa do cidadão e da família contra os excessos da programação do rádio e da televisão. Deputados e senadores fogem desse encargo como o diabo da cruz. Ou irão indispor-se contra as grandes redes de televisão, cerceando suas atividades, mesmo se for para impedir parte do lixo que flui das telinhas?
Existem outras definições a adotar. Entre elas a da greve dos funcionários públicos. Só esta semana estão parados os advogados da União, os funcionários da Receita Federal e dos Correios. Sem falar que em passado recente entraram em greve policiais federais, servidores do Banco Central, do Ibama, do Incra e de quantas outras repartições? É preciso uma solução moderna para defender o cidadão, já que a lei anterior não defende.
Fonte: Tribuna da Imprensa