quinta-feira, abril 10, 2008

Divisão de mentirinha

Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Divide-se o governo. No exercício da presidência da República até domingo, por conta da viagem do presidente Lula à Holanda, o vice José Alencar sustenta que Dilma Rousseff deve comparecer à CPI dos Cartões Corporativos. Muitos parlamentares do PT também pensam assim. Mesmo do outro lado do Atlântico, o presidente Lula continua irredutível: a chefe da Casa Civil não deve depor.
Em paralelo, continuando José Alencar no comando da dissidência, vem a questão do terceiro mandato. O vice-presidente mostra-se favorável, como afirmou em entrevista. No PT, da mesma forma a imensa maioria, mesmo enrustida. No reverso da medalha, o presidente Lula anuncia a disposição de romper com seu partido, caso os companheiros venham a apoiar emenda constitucional autorizando sua candidatura nas eleições de 2010.
Qual a leitura a fazer nesses dois episódios? Simplesmente de que estamos assistindo a um jogo de cartas marcadas. Porque nem o Lula se incomodará caso Dilma se veja compelida a enfrentar a CPI, nem, muito menos, o presidente pedirá desligamento do PT se a emenda do terceiro mandato contar com o número regimental de assinaturas, com prevalência dos petistas.
Lula está sendo sincero, num caso e no outro. Não gostaria da exposição explícita da chefe da Casa Civil, capaz não apenas de sair arranhada, mas de arranhar o governo na inexplicável explicação sobre a autoria intelectual do dossiê sobre os gastos da família Cardoso. Como já superou situações bem mais graves, como, por exemplo, a do mensalão, o presidente lavará as mãos, confiando em que desta vez, como das anteriores, os petardos lançados contra ele possam bater e voltar. Traduzindo: Dilma que se defenda. Se não puder, entrará para a galeria onde já se encontram os bustos de José Dirceu e Antônio Palocci.
Na questão do terceiro mandato, a mesma coisa. Quando ficar claro, e já ficou, carecer o PT de um candidato em condições de vencer as eleições presidenciais, admitirá o chefe do governo encerrar sua carreira pública, rompendo com eles e deixando mais de 40 mil companheiros desamparados, entre ministros, secretários, líderes, altos e baixos funcionários DAS ou estáveis, dirigentes de empresas estatais, representantes de entidades públicas nos estados e, em especial, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores e governadores? Nem a bruxa da Branca de Neve admitiria praticar maldade igual.
Sendo assim, importa aguardar. A viabilização do terceiro mandato só acontecerá ano que vem, em especial se vier a ser sofrível a performance do PT nas eleições municipais de outubro. Porque a premissa fundamental entre seus detentores é de que, para não perder o poder, vale tudo. Até um golpe de estado, tanto faz se branco, vermelho ou alaranjado.
Computadores são máquinas
Computadores são máquinas, e, assim, carecem de sentimentos e de emoções políticas. A Polícia Federal já começou a analisar o conteúdo dos seis computadores que levou da Casa Civil. Não há programa, por mais sofisticado que seja, capaz de liberar da memória dessas máquinas diabólicas informações referentes apenas ao suposto vazamento dos gastos da família Cardoso com os cartões corporativos, omitindo o resto.
Na hora de digitar as teclas, sairá tudo, quer dizer, não apenas indício sobre quem teria vazado os dados, como, também, a respeito de quem os reuniu, selecionou e, em especial, por ordem de quem tudo aconteceu. São implacáveis e detectáveis as origens de cada operação computadorizada.
Fará o que a Polícia Federal, na hora de defrontar-se com todo o conteúdo cibernético da Casa Civil, no caso do dossiê? Não vai surtir efeito apelar para os bons sentimentos dos computadores, de forma a liberarem apenas o que quer o governo. Também não vai dar para apagar o que o governo não quer.
Dona Dilma, ao permitir a remoção dos computadores, brincou de aprendiz de feiticeira. A mágica parece preste a inundar o Palácio do Planalto.
Lições holandesas
Toda viagem presidencial é profícua, até para o subúrbio mais próximo. A presença do presidente Lula na Holanda certamente contribuirá para a melhoria de nossas relações comerciais e diplomáticas com aquele país. Agora, sagaz como é, o chefe do governo brasileiro talvez traga em sua bagagem observações capazes de servir para melhorar sua performance por aqui.
Porque a Holanda, exemplo ímpar no planeta, tem a maior parte de seu território abaixo do nível do mar. A sorte da população holandesa repousa na solidez de suas muralhas e eclusas em condições de evitar inundações. É conhecida a história do heróico menino que, ao deparar-se com um pequeno furo na barreira, lá enfiou o dedinho e assim permaneceu horas a fio, evitando que a brecha aumentasse e destruísse a região.
Está aberto na muralha das instituições democráticas brasileiras um buraquinho de nada, por enquanto mínimo, mas do qual já escorrem filetes mais destruidores do que a água do mar. Começa a escorrer o ácido da ditadura. Falamos do terceiro mandato, cuja proposta logo abrirá grandes fissuras no regime de liberdade tão duramente erigido após a inundação dos governos militares.
Ao voltar, o presidente Lula poderia fazer as vezes do menininho holandês e evitar o golpe em armação, mas jamais com os meios por ele anunciados terça-feira à bancada do PDT, ou seja, a frágil ameaça de romper e sair do PT se o PT insistir na proposta. O dedo providencial no furo que ameaça aumentar só pode ser um: fazer expulsar do partido quem insistir no golpe. Ou já não foram expulsos, por muito menos, quatro deputados que votaram em Tancredo Neves? Ou, ainda recentemente, a senadora Heloísa Helena, porque ficou com o programa petista renegado pela maioria, na questão da reforma da Previdência Social? Pouco importa se o deputado Devanir Ribeiro é seu amigo. Ou se José Alencar é seu vice e... (cala-te, boca).
Lições de Capanema
Dizia o inolvidável ministro, deputado e senador Gustavo Capanema que o Congresso, aliás, todos os Congressos, formava-se com dez por cento de bandidos, celerados, ladrões e até assassinos. Outros dez por cento compunham-se de luminares, cidadãos acima de qualquer suspeita, patriotas e pessoas de cultura excepcional. Nessa hora ele até empinava o nariz, aliás, com toda justiça. Mas os oitenta por cento restantes, completava Capanema, eram o retrato do País.
Nem melhores nem piores do que os cidadãos comuns que tinham votado neles. Pessoas com boas intenções, mas sujeitas aos percalços, às tentações e aos erros que atingem todo mundo. Apesar de alguém já haver dito que a Câmara dos Deputados abrigava "trezentos picaretas", é preferível ficarmos com o político que, mesmo não tendo sido presidente da República, inscreve-se na galeria dos mais completos legisladores nacionais.
Por que essas referências? Porque o percentual dos luminares parece estar diminuindo...
Fonte: Tribuna da Imprensa