"A lei não esgota o Direito, como a partitura não exaure a música" (Mário Moacyr Porto apud Rui Stoco e de Juliana F. Pantaleão e Marcelo C. Marcochi).
Acompanhando os telejornais na noite do dia 21.04.2008, me deparei com uma situação inusitada. Um júri por via transversa. Exatamente no jornal da Globo, edição das 20:00.
Houve publicação parcial dos depoimentos prestados por Alexandre Nardoni, 29, e a madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24, no programa Fantástico, edição de 20.04, depoimentos prestados por psiquiatras com conclusões sobre a culpabilidade dos suspeitos, reprodução do crime, fase da instrução, manifestação do Ministério sobre seu juízo de valor, apreciação da tese de defesa e sua descaracterização pelo discurso afinado dos acusados, do pai e da irmã de Nardoni, concluindo-se que a partir de cartas, que tudo não passava de uma encenação, uma criação da defesa dos suspeitos. Finalmente, a apresentadora do programa jornalístico, deu o seu veredicto, as contradições nos depoimentos não isentam os suspeitos pela imputação. Condenados sem julgamento.
A revista semanal Veja, edição 2.057, 41, n. 16, de 23.04, traduzindo convencimento da Polícia traz como manchete: FORAM ELES (com fotos dos acusados).
Vamos ao fato.
“No final da noite de 29 de março, a menina Isabella Oliveira Nardoni, 5, foi encontrada caída no jardim do prédio em que o pai mora, na zona norte de São Paulo. Ela estava em parada cardiorrespiratória. O Corpo de Bombeiros foi acionado e tentou reanimar a menina por 34 minutos, sem sucesso.
O pai de Isabella, Alexandre Nardoni, 29, e a madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24, foram levados ao 9º DP (Carandiru) para prestar depoimento, logo após a constatação da morte da garota. Isabella vivia com a mãe, porém visitava o pai a cada 15 dias.
Em depoimento, o pai afirmou que, naquela noite, chegou ao edifício de carro, com a mulher e os três filhos dormindo. Ele disse que levou Isabella para o apartamento, colocou a menina na cama e a deixou dormindo, com o abajur ligado, para voltar à garagem e ajudar a mulher a subir com os dois filhos do casal.
Conforme a versão de Nardoni, quando ele voltou ao apartamento, percebeu que a luz do quarto ao lado do de Isabella, onde dormiam os irmãos dela, estava acesa; que a grade de proteção da janela tinha um buraco; e que a menina havia desaparecido. Em seguida, ele disse ter percebido que o corpo da menina estava no jardim.
Naquela ocasião, Nardoni disse suspeitar que a filha tivesse sido atirada do sexto andar do prédio por algum desafeto seu. Um pedreiro, com quem o pai de Isabella havia discutido cerca de um mês antes sobre a instalação de uma antena de TV, chegou a ser ouvido, mas o envolvimento dele no caso foi descartado. (trecho extraído da Folha on-line, de 03.04.2008).”
Caso quase idêntico ao de Madeleine McCann, a menina inglesa que desapareceu de um quarto de hotel em Algarves, em Portugal, dia 03.05.2007, enquanto seus pais, Gerry McCann e Katherine McCann, jantavam em um restaurante fora do hotel.
Houve uma comoção mundial e celebridades inglesas entraram na campanha para localizar a criança e milionários contribuíram com recursos financeiros para um fundo especial. Inicialmente não pesava suspeitas sobre os pais.
No quarto do hotel e no veículo da família foram encontrados vestígios de sangue no carro da família, segundo a Polícia Portuguesa. Os pais foram assim declarados como suspeitos. O chefe de Polícia que divulgou para a mídia o fato, foi censurado ou exonerado do cargo, não lembro. Até hoje não se sabe do paradeiro da criança e nem a autoria do crime, como não se tem notícias de que a residência dos Cann ou de seus familiares foram apedrejadas.
No caso Nardoni, a polícia ficou a reboque da imprensa.
Em primeira hora, a imprensa estabeleceu como suspeitos o pai e a madrasta de Isabella Oliveira Nardoni. Testemunhas sem nome e sem rostos deram depoimentos dos mais variados. As primeiras notícias eram de que nada fora encontrado no carro e no apartamento do casal. Foi um entrar e sai de agentes da Polícia Técnica no apartamento e as interpretações as mais diversas. Uma emissora de televisão noticiou que a menina fora asfixiada, não se sabendo se antes ou depois da queda, como se asfixia mecânica não deixasse lesões perceptíveis.
Depois de uma maratona nos depoimentos dos suspeitos, Nardoni e Anna Carolina, uma autoridade policial de São Paulo informou que eles seriam indiciados, faltando apenas definir as qualificadoras, como se fosse a Polícia a titular da ação penal para formular a denúncia. Agora, se anuncia que será pedida Prisão Preventiva do casal. Mais uma medida de efeito e sem utilidade prática. Serve apenas para atiçar a turba enfurecida.
Já nos noticiários de hoje, 23.04, se anuncia à ouvida de mais 04 pessoas e a reconstituição da cena do crime no próximo sábado com evacuamento do edf. London, local do crime, o que demonstra que a Polícia Paulista está mais perdida do que cego em meio a tiroteio. A Tribuna da Imprensa, versão on-line, edição de hoje, 23.04, em primeira página, diz que advogados de defesa encurralaram a Polícia. A reconstituição anunciada soará como mais um espetáculo público de mau gosto, com o comparecimento de um sem número de pessoas gritando para os suspeitos “assassinos”.
O indiciamento será inevitável, bem como o oferecimento da denúncia, é o clamor público que determina os fatos.
Talvez o casal tenha cometido o crime e talvez não a tenha. Somente o tempo se encarregará disso. Se o casal for levado a julgamento em tempo curto, a condenação será certa, com o clamor público interferindo na eficiência da defesa. Bem, pelo menos ai, o julgamento não será em praça pública, pois ficará limitado a 07 cidadãos escolhidos por sorteio. Hoje se fala em evidências, cuja expressão somente é ouvida em filmes gerados nos Estados Unidos do Norte. Nós aqui, no processo penal, tratamos de indício, presunção e prova.
A mídia deve divulgar fatos que são notícias, apenas. É o seu papel, não podendo, contudo, aproveitando-se da morte de uma criança, pretender investigar, indiciar, denunciar, instruir, julgar e executar a pena, criando uma comoção nacional. O que importa são os índices.
Toda morte violenta choca e choca mais ainda quando a violência é contra uma criança e Isabella faria 06 anos. E porque tanta indiferença com as dezenas ou centenas de tantas outras Isabellas de todos os cantos do Brasil que são espancadas ou mortas por seus pais ou parentes próximos que têm a guarda? Será que as pessoas que estão a apedrejar a família Nardoni e vaiá-la em frente às Delegacias e residências nunca viram ou tiveram conhecimento de criança espancada ou morta? Porque tanta falta de sensibilidade com as crianças do Brasil?
É preciso punir quem efetivamente seja responsável pela morte de Isabella ou das Isabellas do Brasil, assegurando-se, a cada acusado, as garantias constitucionais, como da presunção de inocência, do devido processo legal e da ampla defesa, sem o perigo do pré-julgamento ou julgamento por comoção.
Talvez, quando publicado o artigo, até já haja confissão dos suspeitos ou que até venha surgir um outro suspeito.
O certo que no caso Nardoni, em primeira hora, em tese, suspeitos seriam todos que tinham livre trânsito no Prédio de apartamentos onde Isabella estava com seu pai, principalmente, a pessoa que tivesse acesso ao apartamento, me parecendo um equívoco, se estabelecer um único foco, com descarte de outras hipóteses, até mesmo uma morte por culpa, com tentativa de caracterizar uma queda acidental da criança para fugir da responsabilidade penal.
Se efetivamente o casal foi o responsável pela morte da criança, voluntariamente ou não, me parece que um Delegado experiente, conversando com o casal poderia ter uma eficiência maior do que qualquer das provas técnicas que passariam a ter uma importância suplementar.
No processo penal o que basta não é a verdade formal, porém é a verdade real, evitando-se os casos como dos Irmãos Naves, de Dreyfus e tantos outros de menor repercussão.
Paulo Afonso-BA, 23 de abril de 2008;
Fernando Montalvão é titular do Escritório Montalvão Advogados Associados e colaborador de sites e revistas jurídicas.
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Viajus. 23.04.2008.