Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Em política, as surpresas vÊm de onde menos se espera, diria o presidente Lula num de seus improvisos, porque em caso contrário não seriam surpresas. É preciso analisar com mais profundidade a vitória da deputada Maria do Rosário nas prévias realizadas pelo PT, em Porto Alegre, para a escolha do candidato a prefeito.
Desembarcaram na capital gaúcha os ministros Dilma Rousseff e Tarso Genro, unindo suas forças a líderes como Olívio Dutra e Raul Pont. Contaram com o apoio não só de Ricardo Berzoini, presidente nacional do partido, mas, dizem, até do presidente Lula. Todos fechados com Miguel Rossetto, ex-ministro da Reforma Agrária e expoente do petismo gaúcho.
Pois bem: na hora de contar os votos, ganhou a deputada Maria do Rosário, ainda que por pequena margem. Significa o que, essa derrota dos caciques?
Pode significar muita coisa, começando pela chamada à ordem dos dirigentes, pelas bases. Tem muita coisa que os companheiros não entendem. Outras, que entendem muito bem. Onde foi parar aquela legenda que se propunha mudar não apenas o País, mas o mundo? Apesar da intensa propaganda distribuída de Brasília, parte do PT aburguesou-se.
Para acompanhar o governo, quantos dirigentes tornaram-se neoliberais, apoiando e até justificando o abominável lucro dos bancos, as benesses concedidas aos especuladores, a submissão aos organismos financeiros internacionais, o arrocho salarial dos trabalhadores, as reformas elitistas e, acima de tudo, a imobilidade diante das teses e dos objetivos que marcaram a fundação do PT?
As conseqüências começam a aparecer. Nas bases, e não apenas de Porto Alegre, mas de todas as capitais e principais cidades, verifica-se primeiro o inconformismo. A próxima etapa será o racha. Tudo dentro de uma estratégia racional, a de que só se muda o rumo do barco tomando o seu leme. Não deu nem dará certo a opção da retirada, como tentou Heloísa Helena, para fundar o Psol, apenas mais um pequeno apêndice. A reação das bases petistas começam a acontecer nos limites do partido. Se vai dar certo ou não, é outra história. É bom prestar atenção.
Vão entregar o ouro
No PSDB de São Paulo, registra-se um ataque de burrice. Os tucanos paulistanos não se entendem quanto à escolha do candidato a prefeito da capital. A bancada de vereadores acaba de apoiar Gilberto Kassab, do DEM, certamente em atenção ao Diário Oficial gerido pelo governador José Serra.
Em oposição à executiva estadual do partido fala até em punição para os kassabistas, por descumprirem os estatutos que proíbem apoio a alienígenas. Os caciques dividem-se entre ficar com Serra (e Kassab) ou integrar-se na campanha de Geraldo Alckmin. Os mais radicais, de um lado e de outro, falam até em cruzar os braços se o candidato vir a ser o adversário.
Enquanto isso, cresce o nome de Marta Suplicy, que estaria fragorosamente derrotada, caso os tucanos se tivessem apresentado unidos desde o começo. Ela perderia para Alckmin ou para Kassab na hipótese de um deles ter sido definido desde o começo do ano. Ainda mais porque outra estranha aliança começa a surgir na paulicéia: o PMDB de Orestes Quércia propõe-se a apoiar Marta, desde que indique o candidato a vice.
Não é raro ver na política de São Paulo campanhas tidas como vitoriosas terminarem em fracasso total. O problema, no caso, é que se José Serra for derrotado na proposta de fazer Kassab o candidato, respingos cairão sobre sua candidatura presidencial, em 2010. Precisamente o que deseja o governador Aécio Neves, intrometido cabo eleitoral de Geraldo Alckmin...
Não se emendam
Para continuarmos nas eleições municipais de outubro, há que voltar a atenção para o Rio. Lá, as esquerdas continuam as mesmas. Não se emendam. Preferem dividir-se e perder do que se unir e aspirar à vitória. Fernando Gabeira, Chico Alencar e Jandira Feghalli parecem intransigentes. Aceitam a união, desde que se faça em torno de seu nome. Resultado: numa cidade sempre voltada para as esquerdas, o risco será da eleição de um adversário incapaz de se apresentar como da direita, mas, na realidade, constituindo-se na própria...
Enxugando gelo e ensacando fumaça
Reuniram-se esta semana as bancadas do PT e do PSDB na Câmara, claro que em separado, mas com um objetivo comum: debater a reforma tributária. Os companheiros ouviram longas perorações do ministro Guido Mantega. Os tucanos, sem a interferência do governo.
Concluíram alguma coisa? Nem pensar. Ficaram de reunir-se outras vezes, formar grupos de trabalho, designar comissões para ouvir governadores e outras práticas protelatórias. Não há hipótese de chegarem a uma pauta mínima, sequer um ponto de partida em torno do projeto oficial, exceção às exortações permanentes de que a reforma tributária precisa ser feita.
Parece óbvio faltar ao governo um maestro, um comandante, alguém capaz de falar em nome do presidente Lula e de centralizar os entendimentos, mesmo lentos e difíceis, mas capazes de avançar em torno de propostas aceitas pela maioria parlamentar.
Esse nome existe, chama-se Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda desafortunadamente catapultado do poder por grotesco episódio envolvendo a quebra do sigilo bancário de um caseiro. Deputado Federal, Palocci é respeitado como alguém que botou ordem nas finanças nacionais e até despontava, não fosse o imprevisto, como forte candidato à sucessão de Lula. Caso não venha a ser entronizado de modo formal pelo chefe do governo, detendo poder efetivo, a reforma tributária continuará um infindável exercício de enxugar gelo e ensacar fumaça.
Fonte: Tribuna da Imprensa