BRASÍLIA - Cinco dias depois de acusar em praça pública o Judiciário de imparcialidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em tom mais ameno, voltou a cobrar, desta vez no plenário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), respeito dos magistrados aos demais poderes. "Se por um lado a ampla discussão desenvolve e consolida a democracia, do outro a eventual ingerência de um poder sobre o outro compromete a gestão e o atendimento do interesse público", afirmou, numa solenidade no final da tarde de ontem.
Num discurso de improviso na noite de quinta-feira, em Aracaju, Lula disse que seria bom se o Judiciário "metesse o nariz nas coisas dele", numa referência clara ao ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello, que admitiu a hipótese de programas sociais do governo lançados em ano eleitoral serem contestados pela oposição.
Menos de 24 horas depois, o presidente concedeu entrevista e, de forma tranqüila, manteve o tom das críticas. Ontem, Lula aproveitou a abertura da XIV Cúpula Judicial Ibero-Americana, no STJ, para deixar claro, desta vez com termos jurídicos e frases trabalhadas, que as críticas a Marco Aurélio Mello não eram resultado da emoção de um discurso diante de eleitores e simpatizantes.
"A separação entre poderes não é estanque nem configura um fim em si mesma", disse. "Cada um dos poderes deve zelar publicamente por suas atribuições constitucionais, sob pena de omissão na defesa do estado democrático de direito".
O presidente chegou a fazer uma defesa indireta das ações do governo, questionadas por Marco Aurélio. "Essa independência e imparcialidade são essenciais para o controle e monitoramento para garantia da impessoalidade na implementação das políticas públicas definidas pelos poderes legitimados", disse.
"Neste contexto, é papel dos poderes garantir a participação de todos, livremente, do debate constitucional". Lula, porém, ressaltou que as divergências são naturais num processo democrático. "Neste processo, é natural e salutar que haja diálogo e controvérsia entre as diversas esferas de poder", afirmou.
"Onde não dissenso não há democracia. Só um governo democrático permite a divergência e com ela convive, se constrói a partir dela", completou. "A independência de um poder não é um favor concedido, mas a garantia fundamental contra o arbítrio de outros poderes".
Ao deixar o prédio do STJ, Lula foi abordado por jornalistas. Questionado sobre a troca de farpas com o Judiciário, ele sorriu: "Nunca estive em guerra. Vocês lembram que na campanha meu lema era Lulinha paz e amor".
Fonte: Tribuna da Imprensa