terça-feira, março 11, 2008

Barro no ventilador

Por: Carlos Chagas

BRASÍLIA - O general João Figueiredo já morreu, mas vivos estão os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Não se espera que venham a formar uma frente ampla de ex-presidentes, mas acabam de ser nivelados por um denominador comum: o de responsáveis pelo descaso do poder público. Foram acusados pelo presidente Lula de fazerem parte do monte de políticos que só gostam de pobres nas eleições, mas governam para os ricos.
Ao visitar as favelas do Rio, o presidente declarou que durante 26 anos ninguém ligou para os pobres. Se a gente aplicar a aritmética, chegaremos a 1982, ainda que se torne no mínimo estranho verificar a inclusão dos anos de 2003 a 2008 nessa conta, quando o presidente foi o próprio Lula. A complacência que marca os tempos modernos determinará a Sarney e Collor fingirem não ter ouvido nada. Se alguma indignação emergir, será de Itamar e FHC. Afinal, eles governaram para os ricos?
Alguns ingênuos responderão que o presidente Lula referiu-se apenas aos ex-governantes do Rio de Janeiro, como acusados pelo descaso. Mesmo assim, o barro terá respingado nos ex-governadores Faria Lima, Chagas Freitas, Leonel Brizola, Moreira Franco, Marcello Alencar e Benedita da Silva.
Tudo aconteceu quando da visita do presidente Lula a favelas do Rio, semana passada, para anunciar que de agora em diante tudo será diferente. Não deixou de auto-exaltar-se, afirmando que depois de 500 anos o Brasil tem mais dinheiro do que deve, passando de devedor a credor.
Não foi a única vez em que o chefe do governo atropelou a História, porque também citou os anos oitenta como os do falso "milagre brasileiro", quando o período abrangeu os anos setenta. Os anos oitenta, considerados pelas elites econômicas como a "década perdida", foram na realidade os anos em que a democracia recuperou-se e pôde ser afirmada, primeiro com João Figueiredo, depois com José Sarney.
Em suma, o presidente Lula continua atirando a esmo, sem alvo definido, denegrindo antecessores e imaginando estar inaugurando um novo país. Poderá muito bem dar-se mal, porque o barro jogado no ventilador costuma atingir o jogador.
A mãe do PAC
Outra escorregadela do presidente Lula em sua passagem pelo Rio referiu-se à ministra Dilma Rousseff, por ele chamada de "a mãe do PAC'. Ninguém duvida de que a chefe da Casa Civil é a verdadeira chefe do governo, na medida em que despacha com os ministros e está encarregada de levar adiante as atividades administrativas federais, até encontrando sucesso naquilo que José Dirceu fracassou. Mesmo assim, será exagero imaginá-la como o centro das atividades governamentais.
A gente fica pensando se o presidente Lula está mesmo preparando Dilma como candidata à sua sucessão ou se, no reverso da medalha, atua para queimá-la, numa fase preparatória do terceiro mandato. Porque será no mínimo maldade jogar nos ombros da dama-de-ferro toda a responsabilidade pelo sucesso ou o malogro do Plano de Aceleração do Crescimento. Se Dilma é a "mãe" do PAC, haverá que esperar os pimpolhos, até agora gerados mas não nascidos.
Os motoristas e os outros
Errar é humano, burrice será persistir no erro. Pelo jeito, mesmo sem dar o braço a torcer, o governo pode estar a um passo de rever uma de suas maiores lambanças dos últimos anos. Anuncia-se a possibilidade de o presidente Lula retirar a medida provisória que proibiu a venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos situados à margem das rodovias federais, como forma de prevenir acidentes e desastres causados por motoristas embriagados.
A razão é simples: estão à beira da falência quinhentos mil proprietários de bares, restaurantes, hotéis e similares estabelecidos nas margens dessas estradas. Calcule-se quantos empregados serão despedidos por impossibilidade de servir chopes, vinhos ou até bebidas mais fortes aos milhões de usuários que não são motoristas, nesses estabelecimentos espalhados por todo o território nacional.
Imagine-se um ônibus repleto de passageiros que estaciona num posto de parada, pelo interior a fora. Ou os moradores das cercanias, ávidos de um refrigério depois de um dia de trabalho. Serão proibidos de consumir bebidas, bem como os proprietários serão multados, se transgredirem a regra. Mas não estão dirigindo, nada têm a ver com as regras de trânsito...
Trata-se de um convite à quebra da lei, como forma de sobrevivência. Deveriam ser presos como idiotas os autores dessa medida provisória, quando muito mais fácil, para evitar acidentes, seria cassar a licença até a eternidade de quantos fossem flagrados dirigindo embriagados. Rapidamente os resultados apareceriam nas estatísticas de acidentes, sem essa prática medieval de quebrar o termômetro para acabar com a febre. Quem sabe o bom senso acabará prevalecendo sobre a burrice?
Prova de fogo
Saberemos, a partir de hoje, se houve ou não marmelada na composição da CPI dos cartões corporativos. Instalada e com a nomeação dos seus integrantes, o próximo passo será saber quem convocarão para prestar depoimentos. Os bagrinhos, pequenos funcionários e demais usuários dos cartões, a serviço dos barões, ou os próprios, para explicar por que suas despesas pessoais correm por conta de seus anjos da guarda?
Fonte: Tribuna da Imprensa