Luciana Gondim
Se a renda média da sua família for de R$ 3.875, acredite, você é rico. O parâmetro foi adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para avaliar os salários das famílias brasileiras e revelou que os 10% da população que ganham este valor já são considerados abastados. A conclusão só encontra fundamento quando revelado o abismo social: 40% das famílias brasileiras vivem com até R$ 758,25.
Desigualdades à parte, para entender como vivem os "ricos" brasileiros, o JB consultou analistas financeiros e abriu a caixa preta das finanças de duas famílias que, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, fazem parte do seleto grupo de endinheirados.
A família Herrera Simões
Em 1983, quando se casou, aos 25 anos, o advogado Sérgio Simões não planejava ser pai logo. Com aluguel para pagar e as dívidas para aquisição dos primeiros bens para a casa acumulados, precisou da ajuda da mulher para manter as contas em dia quando a filha Fabianne nasceu, um ano depois do casamento.
- Naquela época vivia no cheque especial e no cartão de crédito e só tínhamos uma TV em casa - lembra Simões. - Como profissional liberal, nunca pude calcular minha renda com precisão, mas, de um jeito ou de outro, mesmo com um emprego só, a gente conseguia pagar as contas no fim do mês.
Dois anos mais tarde, nasceu Andressa e o orçamento apertou um pouco mais. Mas foi quando a esposa engravidou de Victor Hugo, no início da década de 90, que o advogado realmente teve que aumentar a carga horária de trabalho para não ir à falência.
- Corri atrás de mais clientes e minha mulher começou a trabalhar em uma administradora para dar conta de escola, plano de saúde, aluguel, roupa, alimentação e os gastos eventuais que toda a família tem - diz o patriarca. - Hoje, trabalho 12 horas por dia: no escritório e dou aula em universidades. Antigamente as famílias eram grandes e não era necessário trabalhar tanto.
Os esforços do casal foram, em parte, recompensados. Hoje, Sérgio e Lúcia não têm nenhuma dívida e comemoram, depois de 25 anos de trabalho ininterrupto, a compra do primeiro carro zero.
- Entramos em um consórcio em dezembro, com prestações de R$ 815 em 50 meses e fomos sorteados - contam. - Parece até que foi nosso presente de bodas de prata. Para a nossa felicidade ficar completa, só falta o Victor passar no vestibular em uma universidade pública. Aí, quem sabe, a gente pode até começar a viajar mais ou comprar um imóvel.
A percepção do advogado de que há vinte anos não era preciso trabalhar tanto para sustentar muitas bocas tem fundamento. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que as famílias que ganham acima de R$ 3 mil viram a participação na demanda brasileira recuar de 68% para 64% nas últimas duas décadas.
Nesse período, as famílias com renda média entre R$ 3,5 mil e R$ 5,7 mil, que, no início dos anos 80, eram responsáveis por 29% nos contratos para compra de imóvel, hoje não passam de 18%. Os dados do Ipea mostram ainda que o brasileiro podia investir, em média, três vezes mais há 30 anos.
Para Gilberto Braga, professor do Ibmec, o que os números revelam é um processo de alargamento da classe média, e não dos ricos propriamente ditos.
- A classe média não empobreceu, ela cresceu. - explica Braga. - Hoje, com a facilidade de crédito, quem era pobre na década de 80 é classe média hoje.
Família Matos Silva
Mais pobres ou não, o fato é que os nossos ricos são menos ricos que os do resto do planeta. Que o diga a família Matos Silva. Mesmo com renda de R$ 3.970 e apenas um filho, Érica e Paulo estão no vermelho há dois meses. Com R$ 4.460 em despesas fixas, começaram o ano com dívidas acumuladas.
- Imagine se a gente fosse pobre - brinca Érica. - Além da dívida de R$ 250 no cartão de crédito, este mês vamos entrar no cheque especial e, se continuarmos nesse ritmo, vamos fechar o ano com dívidas de R$ 10 mil ou mais.
José Piccin, presidente do conselho da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade, colocou as despesas da família no papel para ajudá-los a sair do negativo. As dicas valem para toda a classe média.
- Corte os supérfluos e jamais recorra ao cartão de crédito nem ao cheque especial, que têm juros altíssimos, e muito menos aos agiotas - ensina. - Há bancos que oferecem empréstimo a juros de até 3%, quando se apresentam garantias, como um automóvel, por exemplo.
Fonte: JB Online