Camila Arêas
Ganhe o "sim", ganhe o "não", a Venezuela nascida do resultado da reforma constitucional que vai a referendo hoje será um novo país. Socialista na Constituição ou oficialmente contra o projeto revolucionário bolivariano de Hugo Chávez, a Venezuela do século 21 refletirá a polarização das ruas. Independentemente do resultado, chavistas e oposicionistas tem um consenso: o cenário de conflito seguirá pelos próximos anos do governo Chávez.
A realidade chavista não cabe nos conceitos do passado, ilustra o cientista político Leandro Area:
- As ferramentas da ciência política de origem democrática são inválidas. Em um país com excesso de presidencialismo e um sistema democrático atípico, é preciso inventar o futuro. Esta é uma revolução em um país pobre, o que inverte todos os livros tradicionais de revolução.
A vitória do "não" deve despertar a exigência democrática e transformar os jovens em políticos por necessidade, continua Area:
- Eles são a única força de oposição com expressão nacional. A oposição deve cobrar vitória, mas falta sentido comum, há muito egoísmo e ambição de protagonismo. O "não" cria um sentimento de solidariedade, mas não garante o depois.
A oposição não tem a mesma força institucional e organizativa que pode mostrar nas urnas, avalia Jesús Azcargorta, da Universidade Católica Andres Bello (Ucab):
- Aos partidos faltam credibilidade e estrutura. Aos estudantes faltam recursos.
Militante do Partido Socialista Unido da Venezuela e presidente do Sindicato de Trabalhadores de Vigilância Privada, Pedro Aguilera teme o "encorajamento da direita":
- Ao mostrar que Chávez foi derrotado, passará à ofensiva. Respeitaremos o "não", mas a revolução não vai retroceder pois o povo não quer perder os direitos e serviços que conquistou. Não vai permitir o ressurgimento da direita facista.
Neste sentido, preocupa o artigo 70 da reforma, atenta Azcargorta:
- O documento define um cenário político onde todo aquele que não for socialista carece de espaços de participação.
A possibilidade de outro golpe não é descartada por Area:
- Em um país com histórico de golpes, todos somos conspiradores, de olho no que podemos ganhar. Em uma nação petroleira e mineradora, todos querem ter uma mina. Esta é nossa psicologia coletiva histórica.
A vitória do "sim" tampouco garante estabilidade. Chávez terá maior força, mas a centralização abre espaço para o autoritarismo. O trabalho da oposição "se complicará muito mais do que já está", avalia o politólogo Luis Alejandro Ordóñez:
- O poder do Executivo aumentará e constitucionalmente terá desculpa para que toda iniciativa que não seja "socialista" seja vetada. Mas a oposição está liderada pelos estudantes, o que mostra que o futuro do país não está com a reforma e que os conflitos continuarão. Difícil será distinguir se o descontentamento é pela reforma ou pelos problemas que se colocarão ao povo.
Os protestos se iniciam amanhã e se intensificam em janeiro, quando as medidas começarem a ser postas em prática, afirma Area:
- É preciso ver qual a legitimidade da reforma nas urnas. A política é o único drama que não tem fim.
Aguilera, no entanto, suaviza o futuro ao dizer que "a campanha de Chávez vem ganhando adeptos":
- A mobilização da oposição em 2002 era impressionante. Agora, os setores da classe média também pedem mercado e farmácias populares e aproveitam os créditos. Ao ganhar esta classe, Chávez desmobilizou a oposição. Como previam os marxistas, era preciso que a classe média enxergasse seus problemas.
Se a reforma for aprovada, recai sobre o Supremo Tribunal de Justiça ditar sobre os recursos de anulação e interpretação dos artigos, considerados vagos.
- No entanto, a presidente do STJ, Luisa Estella Morales, redigiu a reforma ao lado de Chávez. Quem avalia é quem aprovou. Portanto, não resta muita esperança - avalia Andres Cañizales.
Para Ana Melissa Zamora, delegada nacional das Nações Unidas pela Ucab, a transgressão legal da reforma não está planteada:
- Se nem o Tribunal nem o Conselho Nacional Eleitoral aceitam as demandas pela votação artigo por artigo, não vai ser agora que vai se avaliar ponto a ponto. Mas se o "não" ganhar, a oposição pode pedir um referendo convocatório.
Area é enfático ao dizer que não crê em vias legais:
- Chávez vai dizer que o imperialismo está por trás de quem quer tirar os artigos. Vai endurecer com mais armas. Ele tem uma cultura militar, de polícia. Portanto, restarão os protestos de rua.
Outro instrumento dos opositores seria se valer do poder civil. A reforma mantém alguns mecanismos para derrogar as leis inapropriadas, mas aumenta de 10% para 30% o quórum para solicitar a anulação de uma lei, o que reduz o espaço da oposição, explica Azcargorta:
- Além disso, considera-se incluir jovens de 16 e 17 anos, o que aumenta o registro eleitoral e dificulta ainda mais o trabalho de quem pretenda recolher assinaturas.
Independentemente do resultado das urnas, Chávez conta com um trunfo na manga para controlar o país até junho do ano que vem, lembra Andres Cañizales, da Ucab:
- A Lei Habilitante que deu poderes extraordinários ao presidente em janeiro lhe permite aprovar leis sem o Congresso. Ele já disse que vai aprovar 100 em seis meses.
Para o chavista Avel Perez, coordenador da Missão Sucre no Estado de Lara, a vantagem da lei é permitir modificar a Carta muito mais rápido que o trabalho do Congresso:
- Em seis meses, todas as estruturas estarão pautadas pelo socialismo. Ao ver que seus privilégios são retirados, os capitalistas gastarão toda a energia para deter o progresso. Mas a revolução precisa deste látigo para avançar. À medida que aumentam os ataques, o povo ganha consciência e fortalece a revolução.
O destino do país não se resolve hoje, diz Víctor Maldonado, da Universidade Católica da Venezuela:
- Entramos em uma escala autoritária que vai custar tempo, suor e lágrimas para ser freada. Chávez insiste em transformar uma das democracias mais estáveis da região em outra Cuba.
Fonte: JB Online