segunda-feira, dezembro 31, 2007

Fiscalização que substitui CPMF é ilegal

Ministro do STF afirma que o controle de movimentação financeira pela Receita é inconstitucional


BRASÍLIA - É inconstitucional o mecanismo de fiscalização das movimentações financeiras de pessoas físicas e jurídicas, criado pela Receita Federal, através de instrução normativa, com o objetivo de suprir o controle que era feito com base na extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A afirmação é do ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). “Essa generalização da quebra do sigilo bancário, que é cláusula pétrea do artigo 5º da Constituição, presume que todos sejam salafrários, e chega a ser bisbilhotice”, afirmou Marco Aurélio.
“A presunção é de que sejamos minimamente honestos. Se houver indícios de sonegação, a Receita e o Ministério Público têm de recorrer ao Judiciário, que tem o poder de decretar a quebra de sigilos bancários”. O ministro lembra que o STF tem sido “rigoroso” quanto à cláusula pétrea contida no inciso 12 do artigo 5º da Constituição. Cita, contudo, uma exceção, quando do julgamento, em 1995, de um mandado de segurança impetrado pelo Banco do Brasil contra o procurador geral da República, que requisitara informações sobre um empréstimo de US$2 bilhões concedido a usineiros de Alagoas. O plenário do Supremo negou o pedido do Banco do Brasil, por entender, no caso, “ser inoponível a exceção do sigilo bancário pela instituição financeira, tendo em vista que, do montante do dinheiro mutuado, parcela tinha origem pública”.
Naquele julgamento, foram votos vencidos o próprio Marco Aurélio (relator), Celso de Mello, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão (os dois últimos já aposentados). Para Marco Aurélio, não pode haver “comunicação automática” dos bancos à Receita Federal da movimentação financeira de seus clientes, sem ordem judicial expressa. “A forma de fiscalização da Receita não pode ser a prevista na instrução normativa”, acrescenta. “Não se deve presumir o excepcional, sem que se leve em conta a declaração de rendas e de bens anual do contribuinte. A Constituição teria de ser modificada mais uma vez, já que o Estado não tem poder absoluto. Em princípio só há afastamento do sigilo de dados, com ordem judicial, em investigação criminal”.
A mais recente decisão do pleno do STF sobre a questão do sigilo bancário é do último dia 17. Por unanimidade, a Corte anulou determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) que obrigava o Banco Central a dar acesso irrestrito a informações protegidas pelo sigilo bancário, constantes do Sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen). No recente julgamento, o plenário reafirmou que toda e qualquer decisão de quebra de sigilo bancário tem de ser motivada e que o TCU – órgão auxiliar do Congresso – não tem poder para decretá-la.
“Nós não estamos dizendo que o Banco Central não deva informações ao Legislativo”, ressaltou em seu voto o ministro-relator, Menezes Direito. “Ao contrário, nós estamos é afirmando que deve. O que estamos aqui decidindo é que uma Câmara do TCU – e o TCU não é o Poder Legislativo, é um órgão do Legislativo – possa autorizar a invasão do Sisbacen de forma irrestrita”.
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Lula descarta ajuste fiscal para cobrir imposto do cheque
BRASÍLIA - Nas últimas reuniões de 2007 para discutir como compensar a perda dos R$38 bilhões que pretendia arrecadar com a CPMF em 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou um ajuste fiscal. Lula disse que essa proposta constava do programa de governo do adversário que ele derrotou na eleição presidencial de 2006, o ex-governador paulista e tucano Geraldo Alckmin.
Em conversas reservadas, Lula e seus auxiliares avaliaram que a oposição e setores da imprensa e do empresariado desejariam usar o episódio da rejeição da prorrogação da CPMF até 2011 para forçar o governo a adotar uma agenda de forte ajuste fiscal derrotada em 2006.
Esse caminho não será trilhado, disseram à Folha auxiliares diretos do presidente. Haverá cortes no Orçamento de 2008 para compensar a extinção da CPMF, mas não uma nova inflexão na política econômica a fim de recuperar o rigor fiscal do primeiro mandato. Nas palavras de um ministro, a política econômica dos últimos três anos do governo Lula continuará a ser um “mix” de desoneração de impostos, corte de gastos pontuais e uso de elevação da receita tributária para programas sociais e investimentos em infra-estrutura.
Lula considera que seu esforço máximo é assegurar a meta anual de superávit primário em 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Grosso modo, o superávit primário é a economia feita para pagar os juros da dívida. Antes da rejeição da CPMF pelo Senado na madrugada de 13 de dezembro, a equipe econômica discutiu um cenário em que reduziria o superávit primário para até 3,3% do PIB a fim de compensar eventual perda. Lula descartou essa saída, mas também a de promover um ajuste fiscal duro.
O petista deseja que o segundo mandato seja marcado por maior taxa de crescimento da economia. Acredita que um ajuste fiscal em 2008 reduziria a possibilidade de PIB anual na casa dos 5% entre 2008 e 2010. Lula determinou aos ministros Guido Mantega (Fazenda), Paulo Bernardo (Planejamento) e Dilma Rousseff (Casa Civil) que lhe apresentem em janeiro quais serão as medidas para compensar a perda da CPMF. Sua intenção é anunciar cortes no Orçamento em fevereiro, quando o Congresso voltará a trabalhar.
Para substituir a CPMF em 2008, a área econômica trabalha com o cenário de combinar corte de gastos com elevação da alíquota de certos impostos e com o previsível aumento da arrecadação de tributos devido ao crescimento do PIB. No cenário principal, os cortes de despesas de investimento e custeio no Orçamento de 2008 ficariam entre R$15 bilhões e R$20 bilhões. A ordem de Lula é preservar, primeiro, os programas sociais. Depois, obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Nos estudos da Fazenda e da Receita, há previsão de um aumento de tributos que chegue a algo em torno de R$10 bilhões. Os mesmos organismos estimam que terão entre R$5 bilhões e R$10 bilhões a mais de receita com a tendência de elevação da arrecadação de impostos. Lula, porém, ainda não decidiu a extensão dos cortes. Pediu aos ministros que façam uma sugestão detalhada para convencê-lo a passar a tesoura.
A Folha apurou que a direção do Banco Central vê com preocupação a solução que Lula adotará para compensar a CPMF. Uma parte dos diretores do BC já fala informalmente na possibilidade de elevação da taxa básica de juros, hipótese com a qual Lula não conta. Outra ala do BC considera que seria necessário só manter a taxa básica no mesmo patamar pelo maior tempo possível. Hoje, a taxa básica, a Selic, está em 11,25% ao ano. Essa ala também acha que, se Lula sinalizar com menor esforço fiscal para compensar a perda da CPMF, a política monetária terá de ser mais conservadora.
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PAC é preservado
BRASÍLIA - O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ainda parece só uma peça de marketing, mas a expectativa do governo é de que em 2008 a população possa ver resultados concretos da iniciativa. “O Brasil já é um canteiro de obras, vai virar um canteirão”, prometeu a comandante do programa, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em audiência na Câmara dos Deputados.
A confiança do governo pode ser compreendida pelos números da contabilidade do Orçamento federal. Segundo levantamento feito pelo Estado no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), dos R$16,5 bilhões reservados para investimentos do PAC este ano, R$13,3 bilhões eram, em 27 de dezembro, empenhos. Empenhos são verbas que já estão comprometidas com investimentos, porém são gastos que ainda estão em fase de contratação de empreiteiras e prestadoras de serviços. “Vamos chegar ao fim do ano com quase 100% empenhados”, garantiu ao Estado o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. “Vamos entrar em janeiro e fevereiro executando (despesas) normalmente”.
As obras de saneamento e habitação, por exemplo, começarão a sair do papel em março. Elas serão financiadas em parte pelo Orçamento da União, mas também com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). São perto de R$36 bilhões em obras que o governo federal vai realizar com a parceria de estados e municípios. É nessas obras que a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aposta para mostrar que o PAC não é só discurso. “A partir de 2008, o PAC vai ter uma visibilidade diferente, muito maior do que teve este ano”, acredita Bernardo. “As obras vão ocorrer dentro das cidades. Regiões metropolitanas como Minas, Porto Alegre e Curitiba têm muitos recursos e projetos contratados”.
A parte do PAC dedicada à infra-estrutura social e urbana contempla outros projetos de grande visibilidade. Em São Paulo, por exemplo, estão previstas obras de urbanização de favelas, como Heliópolis e Paraisópolis, e a despoluição das Represas Billings e Guarapiranga. A perspectiva de tantas obras saindo do papel pode ter influenciado a decisão da oposição de derrubar a cobrança da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), avaliou o ministro do Planejamento. “É como quando o juiz apita perigo de gol”, comparou. “O cara vai fazer gol, então o juiz apita e diz que o jogador estava impedido, que foi falta, qualquer coisa”. Em seu primeiro ano, o PAC patinou, admite o governo. Um levantamento mostra que, este ano, só R$3,6 bilhões haviam sido pagos até o último dia 27.
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Juros não caem
BRASÍLIA - O vice-presidente José Alencar disse que os juros não caem mais porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem “medo” das ameaças feitas por economistas de mercado. Crítico recorrente dos juros altos, Alencar disse à Folha que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teme uma “inflação violenta” no país.
“O Lula é um sujeito ultra-responsável, ele tem preocupação que (uma queda forte dos juros) pudesse trazer uma inflação brutal”. Em entrevista concedida na véspera de Natal, José Alencar defende a política de Lula, mas que “ser amigo” do presidente não o impede de criticar os juros altos. “Ele não pode me demitir, então falo com absoluta isenção e independência”.
Alencar ainda se diz contra a alta nos juros. “Eu nunca deixei de condenar. A inflação não exigia taxas de juros daquele patamar para combatê-la”. O vice-presidente se refere ao nível de 26,5% ao ano que chegou a Selic, a taxa básica de juros, no início do primeiro mandato.
Fonte: Correio da Bahia