Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Existem algumas semelhanças e muitas diferenças entre as situações políticas do Brasil e da Venezuela. Começa que eles "hablam" e nós falamos. Votamos todos, porém, e o plebiscito de domingo revelou, lá, um país dividido. Hugo Chávez foi derrotado por pequeníssima margem em sua proposta de poder candidatar-se até a eternidade, mas, com essa decisão, ficaram de fora as possibilidades de os trabalhadores da economia informal passarem a receber aposentadorias e pensões, bem como manteve-se a independência do Banco Central e o direito de as diversas regiões elegerem seus governantes.
Não somos um país dividido como se encontra a Venezuela, muito menos o presidente Lula defende um terceiro mandato, como Chávez queria o quarto, o quinto e outros. O chefe do governo brasileiro detém 85% de apoio nacional (50% acham sua administração boa ou ótima, e 35%, regular), e, ao mesmo tempo, 65% rejeitam o terceiro mandato.
Dificilmente se realizará por aqui um plebiscito nos moldes do verificado lá, mas é preciso atentar para o fato de que tanto Lula quanto Chávez têm suas bases fincadas nas massas, mesmo com a ironia de que, no Brasil, os banqueiros e os especuladores fecham com o nosso presidente e não abrem. Mais contundente no epicentro de Caracas, mais acomodado nos subterrâneos de Brasília, o racha latino-americano surge evidente.
Felizmente os sociólogos estão fora de moda, mas, se divulgassem suas previsões, talvez não errassem muito ao supor que nós poderemos ser eles, amanhã, na medida em que se aproximar 2010. Tomara que não, mas garantir, ninguém garante...
Como aceitar um não-companheiro?
A recente pesquisa da Datafolha revela o óbvio: os companheiros não têm e só por milagre terão um candidato saído de seus quadros em condições de ganhar a sucessão presidencial. De Marta a Dilma, de Tarso a Patrus, deixarão todos a esperança, assim que entrarem no páreo. O resultado será a razão, mais uma vez, pender para o presidente Lula.
Só o nome de um não-companheiro, saído dos partidos da base governamental, poderá aspirar passar para o segundo turno junto com quem vier liderando a esquadrilha dos tucanos. Provavelmente José Serra. Ciro Gomes, do PSB? Roberto Requião, Sérgio Cabral ou Nelson Jobim, do PMDB? Quem mais?
Todos merecem a rejeição do PT, que ainda no fim de semana levantou a aspiração impossível de vir a dispor de um candidato próprio. Os companheiros carecem de condições para preservar o poder, mas dispõem de meios para impedir um aliado de pretender subir a rampa do Palácio do Planalto. Omitindo-se ou rachando o partido, levarão o candidato oposicionista à vitória no primeiro turno. Por tudo isso, salta aos olhos a evidência de que a tese do terceiro mandato não morreu nem foi sepultada. E se foi, renascerá dos 65% de cinzas, quando chegar a hora.
Cassandras e juros
Insiste o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que é preciso cautela e que os juros não podem cair mais. Pelo contrário, deveriam até elevar-se nuns poucos patamares, para enfrentar a inevitável crise econômica que virá como resultado das dificuldades nos Estados Unidos.
Mais ainda, mesmo auto-suficientes e com pretensões a ingressarmos na Opep, não deixaremos de sofrer quando o preço do barril do petróleo começar a encostar nos 200 dólares. Pode não ser ano que vem, mas como prever catástrofes é a sina de todo economista, por conta do futuro o precavido Meirelles prega um freio de arrumação no presente.
O problema é que sua proposta bate de frente com os objetivos do presidente Lula, empenhado em encetar nos próximos três anos os passos que seu governo não conseguiu, nos cinco já decorridos.
O fantasma com que o presidente do Banco Central acena pode ser até de carne e osso. Chama-se inflação. Se ela ameaçar, a primeira medida do governo será apertar o cinto. Cortar investimentos e trocar a euforia pela cautela. Nessa hora, por ironia, os maiores adversários de Meirelles serão os banqueiros e os especuladores.
Sarney, outra vez
Faltando agora escolher o sucessor de Renan Calheiros para o ano que vem, voltam as especulações a respeito do ex-presidente José Sarney. Com toda sinceridade, ele jura que não quer e não se dispõe a operar nesse sentido, mas balançará quando receber um apelo emocionado do presidente Lula, previsto para as próximas horas. Os outros nomes não pegaram. Despertam mais amuos e idiossincrasias do que apoio.
Fariam as vezes de meia-sola, artifício que os sapateiros não utilizam mais. Só um nome como o de Sarney traria a paz para o Senado e, em especial, para o governo. A prorrogação da CPMF constitui pedra fundamental na armação oficial. O ex-presidente, mesmo de Nova York, onde se encontrava, articulou e apelou para companheiros recalcitrantes no sentido de não deixarem o governo derrotado.
Pode ser que ainda esta semana os senadores resolvam a questão, na primeira votação da emenda constitucional. Se der certo, Sarney que se prepare para trocar a moderna cadeira de presidente da casa por uma daquelas vetustas poltronas da República Velha que tempos atrás mandou tirar do depósito para proteger sua coluna.
Fonte: Tribuna da Imprensa