Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Carlos Lacerda foi o maior dos expositores do século passado. Não falamos de oradores, porque recusava-se a tiradas de efeito em palanques, macaquices e histrionices que caracterizavam alguns de seus contemporâneos, a começar por Jânio Quadros. Mas entusiasmava e, além disso, convencia, quando para construir ou destruir, dedicava-se a um determinado tema, proposta ou idéia. Também sabia ferir fundo, nos momentos em que tentavam interrompê-lo com agressões e ironias.
Discursava na Câmara e foi interrompido por uma deputada, que o acusou "de ser um purgante". Resposta meteórica: "Do qual Vossa Excelência é o efeito..." De outra vez, um colega o chamou de "ladrão da honra alheia". Recebeu de pronto a réplica: "Então Vossa Excelência não tem nada a perder..."
Para lembrar, no entanto, que mesmo os luminares têm seu dia de fracasso, vale lembrar que em 1954 foi eleito para a Câmara Federal através de uma coligação partidária denominada "Aliança Contra o Roubo e o Golpe".
Um ano depois, envolvia-se na conspiração que pretendia estabelecer um regime de exceção no País, impedindo as eleições presidenciais e a vitória de Juscelino Kubitschek, que Lacerda, antes de qualquer outro, previu como inevitável.
Mantinha um programa semanal na TV Tupi, onde ficava horas num palco improvisado, respondendo questões da platéia e dos telespectadores, responsável por fazer o Rio de Janeiro dormir mais tarde, porque metade da então capital federal fazia vigília para ouvi-lo.
Aconteceu a noite do desastre. Um jovem, quase um menino, pediu o microfone e indagou com suposta ingenuidade: "Deputado, o senhor foi eleito numa aliança contra o roubo e o golpe. Agora está pregando o golpe. Quando pregará o roubo?"
Lacerda desmontou, tentou demonstrar sua lógica golpista, mas, no meio do raciocínio, parou, aproximou-se do interlocutor e reconheceu: "Você me venceu, meu filho, apesar de não ter razão..."
Por que se contam essas histórias? Porque, guardadas as proporções, e com todo o respeito, o PT promoveu uma revolução no País, levando ao poder um torneiro-mecânico que enquanto candidato insurgia-se contra todo o tipo de roubalheira, de irregularidades na economia, de injustiças sociais, de disparidades culturais e, também, de golpes nas instituições.
Infelizmente, enquanto oposição, o PT não conseguiu impedir o último dos grandes golpes desferido contra a democracia: a reeleição arrancada do Congresso pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, através de métodos pouco ortodoxos. Golpe que lhe permitiu mudar as regras do jogo depois do jogo começado, disputando um segundo mandato no exercício do primeiro e no gozo de todos os privilégios a ele inerentes.
Vieram os tempos do Lula e o que aconteceu? O PT passou a adotar os métodos que condenava. Só que o roubo precedeu o golpe. O mensalão ultrapassou de muito o escândalo da compra de votos no Congresso, dos tempos de FHC. As benesses feitas aos bancos, desde 2003, foram bem mais longe do que o tão combatido Proer estabelecido pelo sociólogo.
Faltava o golpe, depois do roubo conduzido por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, Marcos Valério, Silvinho, Luiz Gushiken e tantos outros integrantes daquilo que o procurador geral da República denunciou como quadrilha. Não falta mais. Os companheiros encontram-se atolados até o pescoço na tese do terceiro mandato. Sabem ser essa a única forma de conservarem o poder, depois das eleições de 2010.
Nas pesquisas, seus possíveis candidatos não conseguem índices superiores a 2%. Vão colher uma fantástica derrota caso o presidente Lula não se disponha a aceitar o golpe. Afinal, só ele, pela inequívoca popularidade de que dispõe, evitaria a vitória de algum adversário. Pelo jeito, daqueles que apoiaram o mais recente estupro de nossas instituições, a reeleição disputada no exercício da presidência.
Assim estamos, mas falta um jovem capaz de subir ao palco e questionar diretamente o PT. Dos velhos, como nós, nada haverá que esperar em termos de eficácia nas perguntas simples. Dirão estar sendo feitas por ressentimento, revanchismo ou falta do que fazer.
Fonte: Tribuna da Imprensa