Alcides Amaral, jornalista e ex-presidente do Citibank no Brasil alcides.amaral@jb.com.br
O anúncio, na quinta-feira, da nova descoberta de petróleo na Bacia de Santos veio em boa hora, pois estávamos realmente precisando de boas notícias. Dependendo da nossa capacidade de investimentos e avanços tecnológicos - visto que o petróleo e o gás ficam abaixo de uma extensa camada de sal (com o que não lidamos até agora). Tendo êxito, ao redor da Copa do Mundo de 2014, estaremos aumentando nossa capacidade de produzir e exportar o "ouro negro", passando a ocupar excelente posição no ranking mundial, logo abaixo dos EUA.
A euforia foi grande e merecida (embora alguns afirmem que é notícia requentada), mas a partir de agora voltamos aos nossos problemas do dia-a-dia que nos causam, por enquanto, uma ponta de preocupação. Temos fumaça no ar, que pode ser um cigarro aceso jogado ao acaso, ou o início de algo maior, mais preocupante.
A maioria concorda que o Brasil vai indo bem, crescendo, pois o mundo igualmente cresce e nos empurra para frente. A China ajuda com suas importações de commodities e os investidores inundam o país de dólares, pois as oportunidades de ganho (empresas baratas, juros altos, estabilidade econômica, política e fiscal etc) são grandes. O problema é que no dia em que algumas dessas variáveis mudarem, o dinheiro vai embora na mesma velocidade que entrou.
Inicialmente, e talvez mais importante, são as perspectivas para a economia norte-americana. O presidente do FED afirmou no final da semana que o crescimento obtido até aqui não deverá se repetir no quarto trimestre, assim como no primeiro semestre de 2008. O problema do crédito imobiliário, ainda de acordo com Bernanke, vai se prolongar por mais algum tempo e a inflação vem sofrendo pressão indesejável. Além disso, os problemas com os bancos norte-americanos ainda não terminaram, pois devem vir mais surpresas por aí. Como se vê, é um quadro obscuro, e com os EUA andando de lado, o mundo - talvez com exceção da China - fará o mesmo. Assim, nosso principal motor - o crescimento mundial - pouco nos ajudará.
Não bastasse, o FMI faz duro alerta com relação aos gastos públicos do nosso governo. Segundo o Fundo, "o Brasil tem ainda um longo caminho pela frente em termos de melhora da sua situação fiscal". Isto é, gasta mais do que deveria, o que faz com que a relação da dívida pública e o PIB ainda seja bastante elevada.
Seguindo o mesmo caminho do governo federal, a maioria dos Estados estão deixando de cumprir a Lei Fiscal. Nada menos do que 16 Estados gastam com pessoal mais do que a lei permite - e, mais uma vez, nada acontece. O governo federal não corta suas despesas e deixa de punir os Estados que desobedecem a lei (não esquecer que a Lei da Responsabilidade Fiscal foi um dos maiores avanços conseguidos até aqui).
Para piorar ainda um pouco mais esse cenário fiscal, o Senado ameaça não aprovar a CPMF, o que seria uma perda significativa de receita (cerca de R$ 42 bilhões) em 2008. As negociações continuam, os tucanos efetuaram um laundry list de 16 itens para que o governo cumpra em troca dos votos necessários, mas o certo é que essa negociação vai se arrastar ainda por algum tempo. Não é uma discussão econômica e sim uma batalha política. O que a oposição e as lideranças empresariais querem é impor uma derrota política ao presidente Lula.
Como o presidente Lula pretende fazer do etanol seu grande trunfo de curto prazo, temos barreiras sérias a enfrentar. Plantar cana, construir usinas e produzir o etanol sabemos fazer, e muito bem. O problema começa a existir quando temos de transportar o produto para o porto. Dentre 150 países analisados pelo Banco Mundial, o Brasil ficou em 61º lugar em ranking de logística comercial. Isto é, "enfrenta dificuldades para transportar mercadorias dentro do país e enviá-las para o exterior".
Portanto, temos muito o que fazer para que a "fumaça" não seja apenas de um cigarro jogado irresponsavelmente no chão. Precisamos redesenhar o país, reduzir nossas fragilidades. Caso contrário, o presidente Lula terá muitos motivos para reações acaloradas como a da última semana, quando questionado sobre o apagão do gás.
Fonte: JB Online