Marcelo Medeiros, jornalista
O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento recente, negou ao Banco Central autorização para quebrar o sigilo bancário de um correntista. Prevaleceu o voto do relator do processo, ministro Marco Aurélio de Mello, sustentando que o sigilo bancário, previsto no artigo 5° da Constituição, só pode ser suspenso por ordem judicial para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Os princípios fundamentais da liberdade e da legalidade (ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei ou de processo legal) foram estabelecidos na Magna Carta imposta aos ingleses em 1215 pelo rei John Lackland, mais conhecido como João-Sem-Terra.
O poder constituinte, a mais alta manifestação da vontade coletiva, passou, com o tempo, a incorporar nas Constituições dos países democráticos textos cada vez mais diretos sobre os direitos e garantias individuais.
Passaram a fazer parte dos textos políticos a expressa proteção constitucional: à livre manifestação do pensamento, à liberdade da palavra, à vida privada e à inviolabilidade das comunicações postais e telefônicas.
A Constituição de 1988 garante "aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". Inovou, em relação às constituições anteriores, ao estabelecer, no artigo 50, a inviolabilidade da vida privada e da intimidade (inciso X) e a do sigilo de dados (inciso XII).
Não tendo a Constituição citado expressamente a expressão sigilo bancário, consideram os juristas que ele faz parte da intimidade, da vida privada do cidadão e, portanto, inviolável, de acordo com o inciso X, ou que está compreendido no termo genérico "dados", cuja inviolabilidade está assegurada no inciso XII.
A tradição no direito brasileiro é a de que, no interesse público e desde que lei específica autorize, o juiz, apoiado em fatos concretos e precisos, poderá quebrar o sigilo bancário da pessoa sob investigação.
A Lei Complementar nº 105 de 2001, que autoriza em determinados casos o requerimento direto de informações bancárias pela autoridade administrativa, tem várias ações de inconstitucionalidade à espera de julgamento.
Ensina Rodrigo Baptista Martins que o Supremo Tribunal Federal chegou a decidir, por unanimidade, "que não havia lei que obrigasse um banco a exibir suas informações de natureza sigilosa e de uso privado. Posteriormente a tal decisão, foram publicadas leis que asseguraram o sigilo dos negócios das instituições financeiras, com observância, porém, de certos limites e restrições".
A jurisprudência sobre a suspensão do sigilo bancário não é pacífica. Existem duas correntes no Supremo Tribunal. Tem predominado a que só permite a quebra do sigilo bancário por decisão judicial.
Os que discordam desta orientação dizem que ela traz insegurança à economia, pois dificulta a atuação do Banco Central para manter saneado o sistema financeiro. Os argumentos podem ser relevantes. Mas permitir a quebra do sigilo bancário sem ser por ordem judicial é correr o risco de termos as nossas contas bancárias invadidas pelas autoridades monetárias (ninguém sabe quem são), e, em breve, quaisquer outras que solicitarem.
Os bancos não podem expor os dados dos correntistas. É o preço que se paga, ou a prerrogativa que se tem, por viver num Estado democrático de direito.
Fonte: JB Online