Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Na Idade Média, as blasfêmias costumavam ser punidas com a fogueira. Empregou o nome de Deus em vão, invocou o Capeta, xingou um santo que deixou de atender a um pedido e já se sabia: fogo no indigitado personagem. Hoje, as blasfêmias despertam no máximo estudos sociológicos - e é muito bom que seja assim. Para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio Mello, pregar o terceiro mandato é blasfêmia.
Já o presidente Lula, mais comedido, chama a proposta de atraso. Não poderia ser diferente, porque o terceiro mandato, por enquanto, assemelha-se às bruxas: não acreditamos nelas, mas que existem, existem.
Depois de muitos alertas, a idéia emergiu através de dois deputados governistas. Ficará dormitando, mas crescendo, como se fosse algo impertinente, desimportante e que não diz respeito à maioria. Mais ou menos como o pivete encontrado nos semáforos esmolando uns trocados. Até a hora em que mete a cara e uma faca pelo vidro do carro e exige a carteira e tudo o mais.
A frio, o terceiro mandato não passa. Mas está presente, à espera das condições ideais. Uma crise espontânea ou forjada, do tipo falência da autoridade pública no campo e nas cidades. Por certo que a motivação é uma só: a impossibilidade de o PT encontrar candidato capaz de vencer em 2010 e preservar o poder em mãos dos atuais detentores.
Porque desde já parece evidente: do lado deles, só Lula teria condições de ganhar. Por isso dá-se ao luxo de afirmar a inexistência de insubstituíveis e de proclamar que não apóia o terceiro mandato. Da mesma forma como o presidente do TSE acrescenta que a terceira eleição equivaleria a rasgar a Constituição.
Pena que não se pronunciou dessa forma quando FHC rasgou, comprando votos parlamentares no primeiro mandato, reelegendo-se sem tirar licença. Ninguém se iluda: o processo continuísta segue seu curso e não haverá esquadrilha tucana capaz de interrompê-lo. "Lembrai-vos de 1995!" pode não passar de slogan para iludir ingênuos.
Boa vizinhança
Dos primeiros 24 ultramodernos caças de ataque Sukoi que a Venezuela comprou da Rússia, 12 encontram-se na Bolívia, em viagem de boa vizinhança. Uma forma de Hugo Chávez demonstrar que quem mexer com Evo Morales leva chumbo ou coisa pior. A referência é para supostos separatistas bolivianos insatisfeitos com a política de seu presidente, em especial situados na região de Santa Cruz de La Sierra.
Não temos nada com isso, mas que essa notícia incomoda, nem haverá que duvidar. A Venezuela dispõe da mais moderna força aérea estacionada na América Latina, pois, além dos Sukoi, comprou dezenas de helicópteros de transporte de tropa. Continua comprando. Em potencial aéreo, depois vem o Peru, em seguida o Chile.
Nós disputamos com a Argentina o quarto lugar, com aeronaves velhas, ultrapassadas e sem poder decolar, por falta de peças. Caso precisássemos guarnecer a fronteira com a Bolívia, faltaria gasolina para uns poucos tanques se deslocarem até lá. Como não haveria munição para baterias antiaéreas, se conseguissem movimentar-se. Pensar em navegação militar fluvial em Mato Grosso é brincadeira. O presidente Lula prometeu que em 2012 será a hora de reequipar nossa Aeronáutica...
Campo
Tivesse Lula assessores menos imediatistas e receberia conselhos para dedicar-se mais ao campo, em vez de estar em Zurique para festejar a realização da Copa de 2014 no Brasil. E não se trata de levar o cofre do Banco do Brasil para o interior, porque de crédito os produtores rurais parecem satisfeitos. O campo significa as cada vez maiores zonas de conflito entre fazendeiros e sem-terra, ambos extrapolando limites do bom senso. De um lado e de outro armam-se milícias que pouco têm a ver com a reforma agrária.
São quadrilhas intimidando e devastando acampamentos de uns e propriedades de outros. É o moderno cangaço, que se tem produzido vítimas, muito mais produzirá se não houver um basta. Nem as polícias militares dispõem de condições, se tivessem vontade, nem o MST e os donos da terra julgam-se subordinados a um poder inexistente. Vive-se, no campo, uma situação em que não basta a ação dos párocos, dos bispos e até dos cardeais para estancar o cisma. Exige-se, mesmo, a palavra e a presença do papa.
Fonte: Tribuna da Imprensa