Por: Pedro Porfírio
Há quatro características que um juiz deve possuir: ouvir com cortesia, responder sabiamente, ponderar com prudência e decidir imparcialmente". (Sócrates, filósofo ateniense - 470 a.C./399 a.C.)
Você é testemunha: desde o dia em que o desembargador Camilo Ribeiro Ruliere restituiu-me o mandato, "terceirizado" inadvertidamente por um colega de plantão, nunca mais falei no assunto. Dei a notícia com meus comentários sobre o que ela significava para a confiança no regime de direito e fui em frente, tirando o assunto da minha pauta enquanto colunista.
Nem por isso a batalha judicial cessou. A decisão do desembargador Ruliere apenas restabelecia procedimentos elementares do Código do Processo Civil. Ele lembrou então: "Como a decisão do nobre desembargador de plantão apreciou matéria não enfrentada no 1º grau, em juízo de retratação, reconsidero-a, parcialmente, no tocante à cassação do ato de posse do sr. Pedro Porfírio".
O processo passou a correr em duas instâncias. Na primeira, onde o mérito do mandado de segurança seria objeto de decisão de sua titular. Na segunda, ante a enxurrada de recursos e agravos de toda natureza.
Nada disso eu levei ao seu conhecimento. Tinha certeza do meu direito, de que ainda havia justiça neste país e de que contava com advogados competentes e respeitados. E não achava correto usar o espaço desta coluna em causa própria. Mesmo quando me levantei contra o absurdo da inopinada cassação, o fiz muito menos por mim e muito mais pela sobrevivência de fundamentos elementares do direito e do respeito à vontade popular.
A decisão do mérito
Hoje, porém, vejo-me na obrigação de voltar ao assunto. Na sexta-feira, a juíza titular da 6ª Vara da Fazenda Pública, Jacqueline Lima Montenegro, proferiu a sentença em que julgou improcedente o mandado de segurança do suplente, enriquecendo sua decisão com um bem fundamentado conjunto de jurisprudências.
No mesmo dia, ele encaminhou carta ao PDT, comunicando sua desfiliação do partido. Com essa atitude, ficou claro que suas alegações faleceram. Tanto quanto eu, ele também assinou uma declaração em 2004, que o PDT exige de todos os candidatos, admitindo que o mandato é do partido. Hoje, o exerço em seu nome. Ele já deve estar a caminho de outra legenda.
Isso para mim não é motivo de festa pessoal. Mas é algo que diz respeito a toda a minha história de lutas pelo regime de direito, história que me custou um calvário nos cárceres da ditadura, tortura e a desestabilização da minha carreira profissional.
Naqueles idos de triste memória, não consigo distinguir quando eu e meus filhos sofremos mais: se quando encarcerado ou se quando, posto em liberdade depois de absolvido por unanimidade na 1ª Auditoria da Marinha, fiquei vagando de um lado para outro, sem emprego e sob pressão psicológica dos meus torturadores, que cruzavam comigo nas ruas quase todos os dias, infundindo-me todo tipo de medo e terror e obrigando-me a uma espécie de clandestinidade.
O que aconteceu neste ano de 2007 me trouxe à lembrança os dias tormentosos de minha juventude. Eu só fora empossado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro depois de uma consulta ao TRE, que partia de uma premissa equivocada, a de que em algum momento, como primeiro suplente, havia renunciado a mandato que não tinha.
Mesmo assim, graças a uma manifestação competente do relator Márcio Mendes Costa, um juiz que cada vez se distingue mais em processos eleitorais embaraçosos, o plenário do tribunal decidiu por 4 a 1 pelo princípio de que só quem renuncia é quem tem mandato e esta renúncia deve ser formulada perante a casa legislativa que o empossou ou empossaria.
No dia de assumir, o segundo suplente entrou com um mandado de segurança. A juíza Vanessa Cavaliere, que respondia pela 6ª Vara da Fazenda Pública, negou a liminar pedida, considerando ser esta matéria da alçada da Justiça Eleitoral.
Foi o bastante para que ele recorresse a um desembargador de plantão noturno com um agravo de instrumento, pedindo que a matéria fosse julgada na Justiça comum e requerendo antecipação de tutela, para apossar-se da vaga que me pertencia. Naquela mesma noite, o desembargador atendeu a seu requerimento e determinou a anulação da minha posse, em seu benefício.
Mandato sob pressão
Durante todo o mês de fevereiro, foi adrenalina pura. O mandato que me fora conferido pelos eleitores estava sendo exercido por quem tinha tido 1.040 votos menos do que eu. Só depois do carnaval, o meu direito foi restabelecido. A bem da verdade, por inteiro, porque o desembargador Ruliere simplesmente TORNOU SEM EFEITO a decisão do seu colega.
Como disse, a partir daí passei a exercer o meu mandato sob pressão e olhares insinuantes dos que não me queriam ali, por razões óbvias. As certezas que me emprestavam confiança não bastavam para me considerar um parlamentar no pleno exercício de suas prerrogativas. Afinal, já fora surpreendido por uma "cassação" sem base jurídica, com seus efeitos colaterais inevitáveis.
Mesmo assim, nesses sete meses, pude realizar um trabalho frutífero, influindo e atuando na defesa dos direitos dos cidadãos e da honra do mandato popular. Como nas três legislaturas anteriores, pautei-me pela crença de que sou um missionário da confiança de uma parte da cidadania. E jamais poderei decepcionar àqueles que acreditaram na minha palavra, em que pese toda essa desconfiança que grassa em relação aos políticos.
A partir de agora, no entanto, com a decisão cristalina da juíza Jacqueline Montenegro, sinto-me mais à vontade, em razão do que estou imensamente grato aos advogados Siqueira Castro, Alexandre Wider, Adriana Zamponi e Vânia Aieta. Eles se empenharam em minha defesa tão-somente por acreditarem no meu direito. Nada me custaram, a não ser o compromisso da coerência em relação ao meu passado e ao respeito devido ao que lhes levou ao gesto solidário.
Graças a eles e aos desembargadores e juízes que se pautaram pela imparcialidade ditada por Sócrates como condição primeira do exercício da magistratura suponho-me definitivamente livre das ameaças de uma decisão absurda, como naquela noite sombria de quando o último fevereiro chegou.
Agora, é redobrar os compromissos e a vigilância. Enfim, tenho razões para dizer que vale a pena confiar na Justiça.
coluna@pedroporfirio.com
Fonte: Tribuna da Imprensa